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27 de junho 2022

O Brasil vai a julgamento de novo na Corte de Direitos Humanos, agora pela morte de um sem-terra

O Brasil vai a julgamento de novo na Corte de Direitos Humanos, agora pela morte de um sem-terra O Estado brasileiro vai novamente a julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desta vez, para apurar a responsabilidade pela morte do trabalhador rural Antonio Tavares Pereira, em maio de 2000, em rodovia no município de Campo Largo, no Paraná. Durante marcha pela reforma agrária, uma ação policial terminou com a morte de Antonio e com 185 sem-terra feridos. O julgamento começa na tarde desta segunda-feira (27) e termina amanhã.O trabalhador tinha 38 anos. Deixou viúva e cinco filhos. Ele trabalhava em um assentamento no município de Candói. E fazia parte do sindicato dos trabalhadores rurais local.

Ninguém foi punido“O caso se refere à presumida impunidade pelos fatos e se insere em um contexto de violência vinculada a demandas por terra e por reforma agrária no Brasil”, relata a Corte. Assim, a Comissão Interamericana, que analisou previamente o episódio, “concluiu que o Estado não apresentou uma explicação que permitisse considerar que a morte do senhor Antonio Tavares Pereira fosse resultado do uso legítimo de força”. Além disso, “assinalou que o disparo do agente policial que casou a morte do senhor Tavares Pereira não teve uma finalidade legítima, nem era uma medida necessária e proporcional”.A Comissão Interamericana lembrou ainda que as autoridades brasileiras sabiam da iminência da marcha, e em vez de tomar medidas para proteger os manifestantes, alertaram a Polícia Militar “para impedir o exercício de seus direitos de reunião, liberdade de expressão e circulação”. E concluiu: “O Estado violou os direitos à vida, integridade pessoal, garantias legais, liberdade de pensamento e de expressão, reunião, circulação e proteção judicial”. O processo terminou arquivado.
Violência e criminalizaçãoPara o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o episódio do trabalhador Antonio Tavares representa “um dos momentos mais emblemáticos do processo de violência e de criminalização na luta pela terra”. As entidades que encaminharam o caso à Comissão Interamericana lembram que desde 2014 se iniciaram tentativas de conseguir um acordo negociado com o Estado brasileiro. Sem sucesso, pediram que o caso fosse, então, levado à Corte. Assim a denúncia a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Justiça Global, MST, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) e a organização Terra de Direitos.“A família espera que haja justiça”, diz Antonio Tavares, irmão do trabalhador assassinado há 22 anos. “Com relação à morte, a gente sabe que não tem retorno, mas que haja justiça na reparação à família, a esposa e filhos que ficaram jogados sem ter o companheiro. A indignação é tamanha, ele foi assassinato brutalmente.”
Extinção da Justiça MilitarMaria Sebastiana, viúva do trabalhador, participará da audiência, além de Loreci Lisboa, umas das vítimas. O caso tem mais de uma centena de vítimas e testemunhas arroladas. Os representantes dos trabalhadores rurais querem que o Estado adote medidas de justiça, reparação e memória. Pedem ainda extinção da Justiça Militar e destinação de terras públicas para reforma agrária.É o terceiro caso que chega à Corte Interamericana de Direitos Humanos envolvendo trabalhadores sem-terra. Em 2009, o Estado brasileiro foi condenado por não punir envolvidos na morte do agricultor Sétimo Garibaldi, em 1998, também no Paraná. Ainda em 2009, o Brasil sofreu condenação pelo uso de interceptações telefônicas, em 1999, de associação de trabalhadores rurais, no mesmo estado. O país já sofreu outras condenações emblemáticas, como nos casos da guerrilha do Araguaia, em 2010, e do jornalista Vladimir Herzog, em 2018.
Sem garantia de direitos“O que ocorreu no Paraná expressa lamentavelmente o que ocorre contra trabalhadoras e trabalhadores que lutam por terra e reforma agrária no país, a violência direcionada do Estado para coibir níveis de organização e de lutas em defesa da democratização da terra, da reforma agrária ou em defesa dos direitos das pessoas, sobretudo, as pertencentes às camadas populares”, afirma Ayala Ferreira, da coordenação nacional do MST.Já o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo, faz ligação com o atual período do país. “Estamos vivendo o pior momento de possibilidade de garantia de direitos de acesso à terra”, afirma. “Os órgãos responsáveis por regularizar áreas e territórios quilombolas, fazer a reforma agrária ou demarcar terras indígenas estão proibidos pelo próprio presidente da República de exercitar comandos constitucionais que determinam a reforma agrária, titulação quilombola. Enquanto isso, no Congresso, há uma agenda de retirada de direitos. Essa combinação explosiva de ausência total de políticas sociais resulta, cada vez mais, em um ataque ao pacto constituinte de 1988.”
Proteção a obraA Corte Interamericana já concedeu liminar, há um ano, para que o Estado proteja o monumento inaugurado em 2001, à margem da BR-277, km 108, perto do local do crime. A obra foi criada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. A decisão vale até que a Corte determine a sentença para o caso. “É um momento de memória, mas atual porque alimenta o direito à vida”, afirma Roberto Baggio, da direção do MST-PR.Em 2 de maio de 2000, aproximadamente 2 mil sem-terra seguiam até Curitiba, para participar de uma marcha pela reforma agrária, como parte das atividades de 1º de Maio. Mas o governo estadual (Jaime Lerner) enviou 1.500 soldados da PM, para fechar a rodovia a impedir a chegada dos manifestantes.
Fonte: Rede Brasil Atual / Imagem: Luiz Fernando - MST