Justiça suspende instalação de loteamento da Melnick em área de Mata Atlântica na zona leste
A juíza Patrícia Antunes Laydner, da Vara Regional do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do RS, determinou na última sexta-feira (18), a suspensão da licença de instalação do Loteamento Belvedere II, na zona leste de Porto Alegre. Localizado na Estrada João de Oliveira Remião, bairro Lomba do Pinheiro, em uma área de Mata Atlântica em estágio avançado de regeneração, com nascentes, cursos d’água, espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção, o empreendimento teve as obras iniciadas na semana passada, nos dias 16 e 17 de julho.Conforme consta na decisão judicial, foram iniciadas intervenções com retroescavadeiras e foi instalada uma placa com o número da licença concedida pela Prefeitura. O empreendimento é uma iniciativa das empresas Melnick Even Urbanizadora Ltda e da Ahlert & Schneider Empreendimentos Ltda, que, assim como a Prefeitura, são listadas como parte requerida no processo, de número 5184540-65.2025.8.21.0001/RS.Autoras da ação, a Associação dos Moradores do Bairro Chácara das Nascentes e a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) pediam a suspensão da licença sob os argumentos de que o processo de licenciamento ambiental conduzido pelo Município de Porto Alegre careceu de adequada publicidade, transparência e participação social e está em violação à Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), Código Florestal (Lei 12.651/2012) e Resolução CONAMA 10/1993. As entidades alegam ainda que o licenciamento autorizou a supressão de vegetação e intervenção em Área de Preservação Permanente (APP) sem a devida análise e parecer técnico conclusivo do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam).Em sua decisão de acatar o pedido em caráter liminar, a magistrada avaliou que há risco de supressão indevida de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente e que a suspensão da licença se fazia urgente “diante da magnitude do dano que poderá ser causado e da irreversibilidade da degradação ambiental, cuja recomposição depende de longo prazo, para além de significativo investimento técnico e financeiro.”A juíza postulou ainda que “o princípio da precaução, aplicado em matéria ambiental, impõe que, diante da incerteza a respeito dos impactos de uma atividade, deve prevalecer a medida que confere efetividade à proteção do meio ambiente”.Além da suspensão imediata da licença de instalação, Patrícia Antunes Laydner estabeleceu multa de R$ 1.000,00 por metro quadrado desmatado, bem como a possível responsabilização criminal em caso de desobediência. Ela também determinou a proibição da comercialização de lotes no local.A juíza requereu que a Prefeitura entregue, em um prazo de 72 horas após a notificação, cópia integral do processo administrativo de licenciamento, assim como instou o Ministério Público Estadual (MP-RS) a emitir parecer no mesmo prazo.Em nota divulgada nesta segunda-feira, a Associação de Moradores do Bairro Chácara das Nascentes destacou que a liminar foi baseada em denúncias feitas desde março sobre irregularidades no licenciamento ambiental, ausência de audiência pública e omissões da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smamus). A entidade pontua que, apesar de um acordo anunciado pelo Ministério Público na última quarta-feira (16) para que o município prestasse informações técnicas em até 30 dias, o desmatamento foi iniciado de forma repentina, com base em licença não publicada oficialmente.“A ação é baseada em informações de técnicos da própria Smamus que atestam que a área contempla ‘o corredor de biodiversidade mais expressivo existente entre as Unidades de Conservação Parque Natural Municipal Saint’Hlaire e a Reserva de Vida Silvestre São Pedro’, o qual é utilizado pelos bugios-ruivos (Alouatta guariba clamitans), espécie da fauna ameaçada de extinção na categoria Vulnerável, conforme estudos científicos consolidados. Além disso, a nascente e curso d’água omitidos do licenciamento foi confirmada em informações oficiais do município, elaboradas conforme o Diagnóstico Ambiental de Porto Alegre, e confirmadas pelo mapeamento e caracterização das Áreas de Preservação Permanente (APP) de Porto Alegre, realizado por consultoria especializada contratada pelo município com um investimento público de cerca de R$ 2 milhões”, diz a nota da associação.A entidade pondera ainda que a região abriga um “anel de nascentes” e é uma “importante zona de recarga aquífera do município”, conforme o Diagnóstico Ambiental de Porto Alegre, abastecendo a grande bacia do Arroio do Salso, o segundo maior arroio do município. “Celebramos a decisão da Justiça e seguimos vigilantes e ainda mais convictos de estamos no caminho certo para evitar que ocorra este dano ambiental, com consequências deletérias, inclusive de saúde pública. Celebramos a decisão da Justiça e seguimos vigilantes e ainda mais convictos de estamos no caminho certo para evitar que ocorra este dano ambiental, com consequências deletérias, inclusive à saúde pública”, diz a nota. Crítica ao laudo técnico do loteamentoEm maio deste ano, o professor Paulo Brack, do Departamento de Botânica da UFRGS, visitou a área onde está previsto o loteamento. O imóvel está inserido em uma área considerada prioritária para conservação por decretos do Ministério do Meio Ambiente.O terreno de 17,4 hectares, apesar de possuir vegetação exótica em seu interior, possui grande desenvolvimento de parte da vegetação remanescente e em regeneração. Brack cita que ,em 1/3 ou mais do imóvel, provavelmente há remanescentes de mata nativa, nos diferentes estágios (avançado, médio e inicial) protegidos por uma resolução do Conama e pela Lei da Mata Atlântica.“A vegetação florestal de maior porte está mais concentrada em pequenos talvegues com demarcação de estacas localizando as Áreas de Preservação Permanente (APPs), já mapeadas pela prefeitura de Porto Alegre”, diz o ofício enviado ao MP-RS.O imóvel incide ainda em corredores ecológicos previstos no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) de Porto Alegre. De acordo com Brack, a área é o principal corredor entre as o Parque Sant’Hilaire e o Refúgio de Vida Silvestre São Pedro. Além disso, o local que pode receber o loteamento conta com expressiva quantidade de nascentes em toda a área.Além de colher informações botânicas e ambientais, Brack analisou o o Laudo Técnico de Cobertura Vegetal (LTCV) elaborado em 2019 pelo técnico contratado pela empresa proprietária da área, o engenheiro agrônomo João Luís Favretto, em documentos utilizado no processo de licenciamento realizado pela Smamus.Quanto ao laudo técnico encomendado pela empresa, Brack diz que há um “erro muito provável” na identificação da planta espinheira-santa, citada cinco vezes no LTCV, mas que não existe em Porto Alegre. Ele explica que a planta é comumente confundida com sorococo ou cincho, espécie de estágio avançado em sobosque das matas de Porto Alegre.Além disso, uma espécie de figueira nativa (Ficus adhatodifolia) imune ao corte não é citada ou é confundida outra espécie citada no LTCV. “Consideramos inadequada a inclusão de três plantas indeterminadas sem registro. Estas deveriam possuir, no mínimo, registro fotográfico como forma de se assegurar que não correspondam a uma espécie potencialmente ameaçada de extinção que, nesta condição de não identificada, poderia acabar sendo negligenciada e, portanto, não protegida”, diz o ofício.Brack constatou que o laudo técnico não faz qualquer referência ao Diagnóstico Ambiental de Porto Alegre ou mesmo o Atlas Ambiental de Porto Alegre, obras básicas que tratam da vegetação do município. Foto: Reprodução/Google MapsFonte: Sul21