Para a sociedade e a comunidade científica, a demissão de Galvão fez cair a ficha sobre o que representaria Bolsonaro para a ciência. O governo, então, nomeou o coronel da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião, que virou um interventor no Inpe por pouco mais de um ano.
Na chefia de uma instituição de 61 anos de reconhecida excelência técnica, o interventor mudou departamentos, criou cargos, “substituiu pessoas competentes por incompetentes, não consultou a comunidade interna nem a comunidade científica externa”, afirma Olivo. O militar fez “uma reestruturação tirada de sua própria cabeça”, diz Acioly Olivo Cancellier, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais em Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial (SindCT).
Depois, a partir de uma lista tríplice definida por um comitê, o doutor em Geofísica Espacial Clézio Marcos de Nardin foi nomeado em 2020, pelo então ministro da Ciência e Tecnologia Marcos Pontes, o “astronauta”, para comandar o órgão. Nardin tem mandato de quatro anos,
Nowcasting: previsão do tempo
Além dos cortes orçamentários e ataques à reputação do instituto, o governo militarizou determinadas atribuições e missões do Inpe. É o caso da previsão do tempo para curtíssimo prazo, conhecida tecnicamente como nowcasting.
O serviço, de características complexas, puramente científicas, migrou para o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), um órgão militar à época ligado ao general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.
Essa transferência de atribuição “seguiu a lógica do governo Bolsonaro de substituir tudo o que foi possível dos civis para os militares”, nas palavras do cientista Gilberto Câmara, que comandou o Inpe de 2005 a 2012. Para ele, o exemplo extremo dessa lógica foi colocar o general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. E para “cuidar” de vacinas, justamente no advento da maior pandemia que atingiu o mundo desde a gripe espanhola, há um século.
Delírio bolsonarista
“Fazer previsão de tempo não é missão militar. Quando põem Pazuello para cuidar da vacina é porque têm um projeto de apropriação pelos militares de atribuições civis. Por trás disso há um delírio completo, algo como ‘nós sabemos o que é melhor pro Brasil’”, diz Câmara. “Assinaram um acordo irresponsável, porque você não abre mão de uma missão civil e científica para um órgão militar que não tem essa competência.”
Nas duas Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26 e COP-27) realizadas durante o governo Bolsonaro, nos anos de 2021 (em Glasgow, Escócia) e 2022 (em Sharm el-Sheikh, Egito), o governo omitiu os dados do inventário anual do desmatamento da Amazônia.
“Foram divulgados depois, claro, mas sem o impacto que os relatórios teriam, se divulgados nas conferências”, diz Acioly Olivo. Por óbvio, o bolsonarismo não poderia falsear os dados do Inpe, porque o serviço de mapeamento é disponível por satélites de outros países também. Se houvesse interferência do Planalto para mudar os números, seria um escândalo mundial.
Segundo Gilberto Câmara, Bolsonaro e seu governo também tentaram transferir o monitoramento das queimadas e incêndios florestais no Brasil do Inpe para o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), subordinado ao Ministério da Agricultura. Mas não conseguiram porque encontraram resistência dos cientistas.
Sobre as críticas, o atual diretor-geral do Inpe afirma que não é ligado a agremiações partidárias. “Eu prefiro não comentar. Eles têm direito à opinião deles”, diz Clézio Nardin. “Eu não sou filiado a nenhum partido, não tenho nenhuma ideologia e estou trabalhando para uma instituição de Estado”, acrescenta.
Ministério
Acioly Olivo Cancellier e Gilberto Câmara dizem estranhar que a gestão do Inpe permaneça a mesma quase três meses depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomar posse. Afinal, se Nardin tem mandato, Galvão também tinha, mas foi exonerado por Bolsonaro. Galvão é hoje presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Olivo afirma que a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, teve a gentileza de receber uma comitiva, que entregou a ela um documento com análise do que foi o Inpe e com propostas de ações esperadas para o instituto. Ele sugere que a ministra visite o Inpe e convide o presidente Lula a ir junto. Assim, mostrará que o país está mesmo em uma “nova era” e que o Inpe está valorizado pelo novo governo como representante da ciência.
Foto: Divulgação/ Inpe