Lançado em julho pelo Ministério da Educação e submetido a uma consulta pública que durou mais de 40 dias, o Future-se, programa que incentiva universidades federais a captar recursos privados, foi remodelado após receber críticas da comunidade acadêmica pela falta de detalhamento e ameaça à autonomia universitária.
No período aberto a consultas pela internet, encerrado em 29 de agosto, foram recebidas mais de 55 mil inscrições e 20 mil contribuições ao projeto, segundo o ministério. Uma nova minuta, aprimorada por um grupo de especialistas jurídicos a partir das sugestões, passou a circular em outubro e será submetida novamente à consulta pública antes de seguir para o Congresso. Para que a proposta seja instituída, é preciso a alteração em leis. A ideia do MEC é enviar o projeto de lei do Future-se para análise dos parlamentares ainda no início de novembro.
A nova consulta pública foi exigida na Justiça pelo Ministério Público Federal, que alegou que a pasta não atendeu às exigências mínimas legais para o procedimento, por não ter incluído, por exemplo, estudos e materiais técnicos para fundamentar o projeto, e não ter previamente divulgado o documento convocatório.
As principais mudanças:
1. Os eixos do programa
Na primeira versão, o Future-se era estruturado em três frentes: governança, gestão e empreendedorismo; pesquisa e inovação e internacionalização. Após a reformulação, os termos “governança” e “gestão” foram retirados. Os eixos foram renomeados: pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação; empreendedorismo e internacionalização.
2. A autonomia universitária
O MEC também se preocupou em afastar uma das principais críticas ao projeto. Logo no início da nova minuta, ele prevê como um de seus principais fundamentos a “obediência à autonomia universitária”, como consta no artigo 207 da Constituição, que diz que as universidades “gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
3. As organizações sociais
A proposta anterior incluía a possibilidade da assinatura de um contrato de gestão entre universidades e uma OS (organização social) para, entre outras funções, gerir os gastos do dia a dia, executar planos de ensino, pesquisa e extensão e auxiliar na gestão patrimonial dos imóveis das instituições. Apenas as organizações sociais já reconhecidas pelo MEC e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia estavam autorizadas a participar do projeto. Agora, o texto reconhece a possibilidade de contratos e convênios serem firmados também diretamente com fundações de apoio, criadas dentro das próprias universidades para intermediarem as relações dessas instituições com a sociedade para desenvolver projetos científicos e tecnológicos.
4. Os contratos de gestão
Os contratos entre as instituições federais e as organizações sociais incluíam, inicialmente, um plano de ação, diretrizes de governança e de gestão da política pessoal. Na nova proposta, os contratos serão de desempenho e vão prever metas avaliadas por uma lista de indicadores de resultados criados pelo MEC em reunião com as instituições.
5. Os gastos com pessoal
O MEC chegou a propor como exigência às universidades que aderissem ao programa a redução de despesa com pessoal. As que batessem os indicadores de desempenho poderiam ter direito a bônus para o servidores. Esses itens foram excluídos do novo projeto, assim como a existência de um comitê gestor que interferiria até na escolha dos reitores.
6. A gestão dos fundos
Em julho, a proposta defendia que as universidades federais comercializassem produtos, criassem fundos patrimoniais e cobrassem pelo atendimento médico de pacientes com plano privado de saúde nos hospitais universitários como forma de obter fontes adicionais de financiamento. A cobrança nos hospitais caiu na nova proposta, que passou a detalhar melhor a questão dos fundos patrimoniais e imobiliários que poderão ser formados. O Fundo Patrimonial do Future-se, como foi batizado, será um conjunto de ativos gerido por uma instituição privada sem fins lucrativos de forma a gerar recursos a longo prazo. Já o Fundo Soberano do Conhecimento, a cargo de uma instituição financeira, é formado por “diversos ativos financeiros, inclusive imobiliários, com a finalidade de geração de receitas”.
7. A alteração nas leis
Inicialmente, o ministério previa a alteração de 17 leis para colocar o Future-se em prática. Agora, são 15. O MEC retirou quatro da relação das leis que exigiam alteração e incluiu outras duas. Saíram da mira a lei 12.772/2012, que estrutura o Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, e a lei 11.196/2005, que define regras sobre regime especial de tributação. A pasta quer alterar agora a lei 11.091/2005, sobre o Plano de Carreira dos servidores técnico- administrativos das federais, para permitir que eles possam “coordenar projetos de ensino, pesquisa e extensão, desde que a atuação seja restrita às atividades administrativas de gestão”. Também busca mudar a lei 13.800/2019, para possibilitar a doação de recursos públicos a fundos patrimoniais.
Qual a rejeição ao Future-se
Como a adesão ao programa é voluntária, a maioria das universidades federais recusou a proposta. Levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo no final de setembro nas 63 universidades federais do país mostrou que 34 (54%) rejeitavam o projeto de alguma forma.
A adesão ou não é decidida pelos conselhos internos das instituições. As maiores e mais tradicionais do país, como a Unifesp (São Paulo), UFRJ (Rio de Janeiro), UFMG (Minas Gerais) e UnB (Brasília) decidiram não aderir. Reitores ouvidos pelo jornal consideravam que o programa não seria implementado da forma como foi apresentado.
Segundo o ministério, 17 universidades estavam contribuindo para o aperfeiçoamento do programa.
Fonte: Nexo Jornal