Notícia SINASEFE IFSul

24 de abril 2025

Falta d’água e cobranças abusivas se acumulam pelo RS após privatização da Corsan

Falta d’água e cobranças abusivas se acumulam pelo RS após privatização da Corsan Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), Comissões Especiais criadas por vereadores, um inquérito civil aberto pelo Ministério Público e muitas reclamações e denúncias contra o serviço de água e esgoto prestado pela empresa Corsan Aegea, privatizada em 2022. Assim tem sido o começo de 2025 em algumas cidades importantes do Rio Grande do Sul, como Santa Maria, Passo Fundo, Ijuí e Canoas, entre outras de menor porte.
Os problemas enfrentados pela população são basicamente os mesmos: falta d’água; cobrança de valores abusivos na conta, incompatíveis com os históricos de consumo; falta de pressão na torneira; atendimento ruim; alto custo da taxa de esgoto; demora para atender os clientes e fechar buracos nas ruas e avenidas. Na esteira das reclamações e denúncias, o tema da municipalização da água tem surgido em algumas cidades. Não à toa, nesta sexta-feira (4), a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul (DPE/RS) e a companhia assinaram um Termo de Cooperação para análise e resolução extrajudicial de reclamações relacionadas aos serviços de água e esgoto.
Em Santa Maria, o serviço da Corsan Aegea já havia sido motivo de CPI em 2023 para investigar o contrato entre a Prefeitura e a empresa. Na ocasião, a conclusão do relatório final foi de que o termo aditivo ao contrato era irregular e precário. Menos de dois anos depois, a Câmara da cidade instalou outra CPI, agora para investigar os problemas que se acumulam na prestação do serviço considerado essencial. 
A vereadora e relatora da CPI deste ano, Helen Cabral (PT), destaca que uma das primeiras medidas da empresa em Santa Maria, após a privatização, foram a suspensão de obras, a demissão em massa de trabalhadores que eram da Corsan pública e o cancelamento de muitos beneficiários da tarifa social. Dos quase seis mil trabalhadores ativos até setembro de 2024, 2.412 foram demitidos por meio do Programa de Demissão Incentivada (PDI). Para ela, a empresa abriu mão de funcionários experientes e trocou por terceirizados. “Tudo o que dissemos no relatório (da CPI de 2023) está acontecendo.”
Outro problema que tem acontecido com os clientes de Santa Maria é a retirada de hidrômetros do imóvel para a rua, sem autorização do morador, com destruição da calçada e expondo os hidrômetros a rompimento de lacres, furtos e vandalismo – que tem aumentado com a medida. Uma vez que ocorra o rompimento do lacre ou o vandalismo, a Corsan Aegea cobrar multa do consumidor. 
Os problemas não param por aí: na cidade, há denúncias de cobrança de taxa de esgoto onde há a impossibilidade física das pessoas acessarem a rede, por ficarem em terrenos abaixo dela; e há ainda cobrança pretéritas de taxa de esgoto em locais que passaram a ter rede coletora apenas recentemente. Isso tudo, além da falta d’água. “O desabastecimento é uma coisa absurda. Há bairros que ficam 20 dias sem água e, mesmo sem água, as contas aumentaram”, afirma Helen.No município da Região Central do Rio Grande do Sul, a empresa tem praticado o chamado “fumacê”. Trata-se de colocar fumaça na rede de esgoto em frente às residências e se a fumaça sair na calha da chuva de uma casa ou prédio, é sinal de que a rede pluvial (da água da chuva) do local está conectada à rede de esgoto. Diante disso, a Corsan notifica e apresenta uma infração, com o cliente tendo 15 dias para apresentar defesa e desconectar a rede pluvial do imóvel da rede de esgoto e conectar na rede pluvial da Corsan Aegea. Onde não há rede pluvial, a orientação da empresa é jogar a água da chuva na rua. Caso o cliente não desconecte a rede pluvial da rede de esgoto, é aplicada uma multa de R$ 980.De acordo com a presidente da CPI em Santa Maria, 550 pessoas na cidade receberam a multa entre agosto e dezembro de 2024. “Se fizermos uma conta simples e multiplicarmos as 550 notificações pelo valor de cada multa de R$ 980 reais, chegaremos ao valor de R$ 539 mil reais. Ou seja, a Corsan Aegea, empresa privada, está tentando tomar de forma irresponsável e covarde, mais de meio milhão de reais dos moradores. São situações gravíssimas, uma empresa predadora explorando o povo de Santa Maria”, critica.A CPI da Corsan Aegea foi instalada no dia 17 de março e tem 90 dias para concluir os trabalhos, prazo que pode ser prorrogado por mais 30 dias. No dia 21 de março, Marcia Regina Moro da Rocha, coordenadora do Procon em Santa Maria prestou depoimento detalhando as principais reclamações recebidas pelo órgão relacionadas à companhia de saneamento. Questionada sobre a atuação do órgão nos casos de cobrança de contas com valores exorbitantes, multas indevidas, cobranças sem informações sobre a origem e sem discriminação do consumo, a não aplicação da tarifa social e a substituição de hidrômetros sem aviso prévio aos consumidores, Marcia admitiu que os problemas e reclamações aumentaram significativamente após a privatização da Corsan.
IjuíPartindo de Santa Maria e indo em direção ao norte do estado, os moradores de Ijuí reclamam de problemas semelhantes no serviço de água e esgoto prestado pela empresa privatizada durante o primeiro mandato do governador Eduardo Leite. Em 2022, a Corsan foi vendida em lance único, com ágio de apenas 1,15%, uma oferta de R$ 4,151 bilhões, pouco acima do preço mínimo de R$ 4,1 bilhões estipulado pelo governo estadual. Nenhum outro grupo além da Aegea apresentou proposta no leilão.Em Ijuí, o vereador Chico Ortiz (PP) está à frente da Comissão Especial instalada há menos de 15 dias para apurar as muitas denúncias de irregularidades contra a empresa. Com 90 mil habitantes, a cidade tem hoje a metade da rede de esgoto que precisa ter, com prazo de construir o restante até 2033, data estipulada no Marco Geral do Saneamento Básico. O alto custo da expansão da rede de esgoto tem sido uma das principais reclamações dos moradores da cidade, mas não só. “Em momento algum, alguém disse que isso é barato. Realmente é uma coisa muito custosa, mas esse tipo de discussão precisa ter todo um compromisso, toda uma responsabilidade para você não criar falsas expectativas e principalmente para você não ficar com um discurso vazio batendo na tecla política”, pondera Ortiz. O vereador avalia que a proposta de municipalização do serviço, que começa a ser defendida por alguns setores políticos, não deve ser o melhor caminho, embora reconheça a possibilidade de nova licitação para contratar o serviço de outra empresa. “Você fazer um movimento de municipalização só para colocar na cabeça das pessoas que, sendo municipalizado, você vai ter uma tarifa de esgoto menor, isso é mentira”, afirma.No caso de Ijuí, ele diz que o tema da alta tarifa de esgoto foi o estopim para virem à tona outros questionamentos a respeito dos serviços da Corsan Aegea, como o desabastecimento em alguns bairros, falta de pressão num lugar e excesso de pressão em outro, problema de prazo no conserto de vazamentos, demora na pavimentação de ruas e avenidas abertas para consertos, problemas de trocas de hidrômetros antigos por hidrômetros novos e dificuldades de leitura ou leituras incompatíveis. Na cidade, a taxa de esgoto representa 70% da conta do consumo d’água – se o cliente gasta, por exemplo, R$ 100 no consumo de água, pagará mais R$ 70 pelo esgoto.“Realmente o serviço tem pontualmente algumas dificuldades. Então junta aquele que tem problema de falta de pressão com o que tem problema de excesso de pressão, o que teve um hidrômetro trocado com o que teve um consumo exagerado, com o que teve erro de leitura. Tu começa a juntar 100 pessoas de uma coisa, 200 da outra, 400 da outra, todo um bairro que ficou sem água por 3 dias por causa da obra e, daqui a pouco, tem uma voz de duas, três, quatro mil pessoas falando nisso o tempo inteiro. Não vou isentar a Aegea, porque realmente pode e deve ser um serviço de melhor qualidade”, afirma Ortiz.Ainda assim, ele comenta que após ouvir a empresa e a Agergs nas duas primeiras sessões da Comissão Especial e pontuar uma série de questões, acredita que o cenário “não é uma terra arrasada”, embora concorde que o serviço precisa melhorar.“Existe uma discussão pertinente, justificável. Reconheço que tem pessoas que tinham hidrômetros antigos, trocaram e o consumo está maior, talvez porque realmente consuma, não sei. Reconheço que tiveram pontuais erros de leitura, reconheço que tem certos vazamentos que poderiam ser consertados de forma mais rápida, reconheço que tem repavimentação que poderia acontecer de forma mais rápida, mas preciso também reconhecer que, em momento algum, a Corsan se indispôs a atender cada problema e encontrar solução ou pelo menos a explicação”, pondera.Em 2033, data estabelecida no Marco do Saneamento, Ijuí completará 142 anos de fundação. O parlamentar reflete que por 100 anos a cidade não teve rede de esgoto e, agora que o processo está em curso, a conta é alta. “Quando você manda uma cidade inteira fazer esgotamento, é claro que alguém vai pagar essa conta.”A assinatura do aditivo do contrato tem sido outra grande polêmica em Ijuí. Os vereadores esperam um levantamento para entender qual o passivo da Prefeitura com a empresa, saber qual será a proposta da Corsan Aegea para um possível novo contrato, e então decidir se o caminho é mesmo um aditivo ou se será feita nova licitação para o tema ou ainda se o caminho será a municipalização do serviço de água e esgoto. Segundo ele, a Comissão Especial ouvirá especialistas da área, a Prefeitura e depois fará uma audiência pública para ter as primeiras impressões mais concretas. “Confesso que o nosso problema aqui é muito mais em relação ao fato de não termos um contrato aditivado e termos uma necessidade de tomar algumas decisões futuras, do que propriamente problemas pontuais de consumo, de cobrança, de pressão, de repavimentação. Vejo que algumas cidades não têm o problema que nós temos da questão da concessão ou da municipalização, mas tem problemas bem específicos de fornecimento”, analisa Ortiz.O contrato atual vai até 2062, porém havia a previsão de perder validade se a Corsan fosse vendida. Como de fato ela foi privatizada e não houve ainda um novo contrato, o vereador define o atual como “tampão”. “Teve uma série de municípios que aditivaram e teve uma série de municípios que não aditivaram. Nesse momento, está se discutindo o valor de uma nova outorga para a gente aditivar esse contrato”, explica. Ao mesmo tempo, há um passivo que a Prefeitura precisa pagar à Corsan Aegea caso não seja a empresa que continue a prestar o serviço. O tema é polêmico e deve ocupar parte dos 90 dias que a Comissão Especial tem de funcionamento.  “Vamos supor que tivesse municipalizado. Quem é que iria fazer os investimentos do saneamento que estão sendo feitos só agora? São milhões de reais que realmente só vão ser compensados no médio ou longo prazo e realmente é uma tarifa cara, porque ninguém disse que é barato”, destaca. Ao mesmo tempo, para ele, a municipalização defendida por alguns, tende a não ser o melhor caminho. “Vamos supor que municipalizem: como é que vão, de um lado, pagar o passivo da Corsan, de outro fazer a instalação do resto da rede de esgoto que precisa fazer e, de um terceiro lado, como é que com tudo isso vão baratear a tarifa de água e a tarifa de esgoto? Com qual dinheiro vão fazer isso, com o dinheiro da Prefeitura? A Prefeitura não tem.”
Passo FundoNão muito longe de Ijuí, em Passo Fundo, a Corsan Aegea também tem chamado a atenção pelas críticas da população. A vereadora Marina Bernardes (PT) tem sido voz ativa diante das reclamações que se avolumaram após a falta d’água por seis dias em mais de 20 bairros da cidade no final de fevereiro. “Foi um caos na cidade, um desastre o que vivemos. Escolas abastecidas por caminhões pipa, comércio fechado. Vivemos um colapso e junto com o desabastecimento, as tarifas subiram”, relata a parlamentar. Assim como em Santa Maria, ela também aponta a diminuição de técnicos especializados após a privatização e critica a falta de investimento em Estação de Tratamento de Água (ETA).Diante do desabastecimento generalizado ocorrido no verão, ela conta que a empresa abriu 16 poços em cerca de 30 dias e conseguiu amenizar o problema. Ainda assim, na avaliação da vereadora, isso é sinal da falta de investimento. A própria Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) considera a abertura de poço como medida emergencial e não política de longo prazo. “Temos uma falha de abastecimento na cidade por falta de investimento. Cada poço custa um milhão, tem baixa manutenção e dura anos”, alerta Marina.Tal como em Ijuí, o alto custo da rede de esgoto também tem assustado os moradores de Passo Fundo. Em janeiro, a empresa enviou carta aos clientes informando-os que deveriam arcar com os custos da ligação do esgoto das residências até a rede de esgoto da cidade, sob risco de punição que poderia chegar à prisão. Famílias de baixa renda, com imóveis abaixo do nível da rua têm sido as mais afetadas, pressionadas pela urgência e o alto custo da obra.“É um problema que não sabemos ainda como mediar, temos que ver algum subsídio para essas famílias, um prazo maior. Estamos muito desassistidos. O município perdeu poder no contrato e depende da Agergs”, analisa. Após a repercussão negativa da carta ameaçadora, a Corsan Aegea parou de enviar o documento. Todavia, o problema permanece e grande parte das pessoas que precisam fazer a ligação do esgoto da sua casa à rede específica não têm recursos para a obra.A vereadora tem atuado para que a Câmara revise as modificações no contrato aditivado com a empresa realizadas pela Prefeitura entre 2021 e 2024. Para ela, o negócio foi feito “às portas fechadas” e, diante da série de alterações, não pode ser visto como um contrato aditivado e sim como um novo contrato – o que obrigaria a análise da Câmara. “Fica evidente que a Prefeitura perdeu poder neste contrato”, lamenta, destacando que, embora não vislumbre a possibilidade de rompimento do contrato, acredita ser possível algum tipo de revisão.
CanoasLíder da bancada do União Brasil em Canoas, o vereador Dario Francisco da Silveira pontua que os serviços da Corsan Aegea no município têm todo o tipo de problemas: desabastecimento; água com gosto e cheiro; suspeita de fraude em hidrômetros; cobranças indevidas e ruas “retalhadas”. O alto custo da ligação à rede de esgoto também se repete na cidade da região metropolitana de Porto Alegre.Assim como em Ijuí, a Câmara da cidade instaurou em janeiro deste ano uma Comissão Especial para investigar as denúncias e ele está na presidência dos trabalhos. Sua insatisfação com a empresa é ainda maior porque ela arrecada cerca de R$ 300 milhões/ano na cidade, um dos maiores faturamentos do RS.“A Corsan arrecadando o que arrecada, tem que dar um jeito. Isso é inconcebível”, afirma. Na sua opinião, desde que os trabalhos da comissão iniciaram, alguns pontos problemáticos melhoraram, mas diz ainda haver muito a avançar.O vereador hoje está entre aqueles que defendem a municipalização do serviço de água e esgoto, ainda que reconheça não acreditar que o tema tenha chance de prosperar devido ao contrato “bem amarrado”. “Vejo a municipalização como uma hipótese importante para Canoas.” Silveira diz ser difícil equalizar a necessidade de ampliar a rede de esgoto com o alto custo do serviço. Para ele, durante muito tempo o brasileiro teve água em abundância e não se preocupava com isso. Agora, a conta da água e esgoto começou a pesar no orçamento das famílias.“O serviço não para de subir. Hoje a água pesa no bolso e já teve época que era quase insignificante”, salienta.A análise do vereador de Canoas ecoa o pensamento de seu colega de Ijuí, para quem será necessário haver uma mudança cultural das famílias brasileiras. “A postura do consumidor precisa mudar. Eu não posso ficar varrendo as minhas calçadas com jato d’água. Não posso lavar meu carro de torneira aberta. Não posso comprar uma piscininha de 2 mil litros e, a cada três dias, botar 2 mil litros de água fora. Daqui a pouco, tenho que ter uma cisterna para um canil, para a reposição de uma piscininha, para lavar a calçada ou o carro. Água potável é uma coisa extremamente cara no mundo todo”, destaca Chico Ortiz (PP). “Nós vivíamos num lugar sem esgoto e, por consequência, com água teoricamente barata. Só que tudo foi ficando muito caro e isso também.”

Foto: Ascom/CorsanFonte: Sul21