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15 de agosto 2022

Compra de vagas não avança e Capital tem quase 6 mil crianças fora da educação infantil

Compra de vagas não avança e Capital tem quase 6 mil crianças fora da educação infantil Porto Alegre tem atualmente um déficit de 5.408 vagas de creche para crianças de zero a três anos de idade, segundo dados da Secretaria Municipal de Educação (Smed). O problema crônico se agravou recentemente devido ao fechamento de muitas escolas privadas de educação infantil durante a pandemia e a perda de renda de famílias causada pela crise econômica. Juntos, ambos os fatores têm pressionado a demanda na rede pública municipal.Na pré-escola, para crianças entre quatro e seis anos, a demanda reprimida é de 352 vagas, de acordo com a Smed. Ao contrário da faixa etária de zero a três anos, a partir dos quatro anos é obrigatório a criança já estar na escola. No total, são 5.760 crianças de zero a seis anos sem vaga na educação infantil de Porto Alegre.
A meta 01 do Plano Nacional de Educação estabelece que 50% das crianças de zero a três anos faixa sejam atendidas em creches. Na Capital, boa parte das vagas são preenchidas por meio de parceria com escolas conveniadas, entidades sem fins lucrativos nas quais a Prefeitura compra vagas. Um modelo que tem se intensificado nos últimos anos. Hoje são 214 escolas conveniadas que atuam em parceria com o Executivo municipal, cerca de seis vezes mais do que as 36 escolas municipais de educação infantil. Recentemente, a Prefeitura celebrou a retomada das obras paralisadas em sete escolas, com previsão de oferecer mais 2.710 vagas. Quando concluídas, a expectativa é que o aumento ajude a garantir o acesso de parte das mais de 5 mil crianças que hoje aguardam uma vaga para ingressar na primeira infância.
Para ampliar o leque de possibilidades e diminuir o déficit nos anos inicias da educação infantil, a Câmara aprovou em novembro de 2021 um projeto que autoriza a Prefeitura a também comprar vagas em escolas privadas de ensino infantil. A iniciativa, entretanto, ainda não deu certo. O valor estabelecido é considerado abaixo do praticado no mercado. Quando o edital foi lançado, apenas três escolas manifestaram interesse. Como resultado, a Secretaria Municipal de Educação cancelou o edital e ainda não comprou nenhuma vaga na rede privada.
“Devido à questão da pandemia, nós tivemos pelo menos um terço das escolas privadas de Porto Alegre de educação infantil que fecharam a porta. Muitas dessas matrículas que conseguiram estar numa rede privada, hoje estão demandando vagas no sistema público. A gente sabe que esse aumento de vagas também tem um impacto econômico, além da política pública em nível Brasil de contemplar as crianças também na educação infantil e não a partir do Ensino Fundamental”, pondera a vereadora Mari Pimentel (Novo).
A parlamentar conta que o valor da vaga aprovado na Câmara se baseou no preço praticado com as escolas conveniadas, que é inferior ao das escolas privadas. Ela avalia que o valor médio na rede privada de ensino infantil é R$ 1.300 e que a Prefeitura precisa chegar mais perto dele para obter uma vaga com a qualidade necessária.
Além do valor abaixo do mercado, Mari diz que o edital apresentou outros problemas. Como exemplo, cita problemas relacionados às crianças com necessidades especiais, que precisam de um monitor próprio, o que aumenta o custo. “Hoje não está contemplada no edital a possibilidade de uma criança especial, que contaria como duas vagas, para que a gente consiga atender bem essa criança”, explica.
A vereadora comenta haver também casos de crianças que precisam consumir um tipo de leite muito mais caro do que o normal e o edital não definia como esse recurso seria coberto, se pela escola, pela Prefeitura ou pelos pais. “Isso inviabilizaria financeiramente uma escola privada em atender uma criança com alguma restrição alimentar, algo que acontece muito nessa idade.”
Outra situação problemática do edital, destaca a vereadora, ocorreu com a possibilidade de atividades extras-curriculares, como um passeio ou festa de formatura. Novamente, o edital não explicitou quem seria o responsável por arcar com os custos.
Mari avalia como um problema ter sido estabelecido na lei o valor da vaga a ser comprada. O ideal, ela diz, é definir o preço a ser pago pela Prefeitura no edital. Agora, para contornar o imbróglio, é preciso que o governo do prefeito Sebastião Melo (MDB) apresente um novo projeto de lei que substitua o anterior e retire da legislação o valor da vaga na rede privada.
“Falta gestão, falta priorizar, fazer andar isso”, afirma Mari, destacando que a lei em vigor foi aprovada por unanimidade na Câmara, fator que ela acredita ser um facilitador para aprovar outra lei que possa solucionar o impasse. “Se o projeto chegar na Câmara mudando os valores, todos votarão a favor, não tem que negociar, é uma coisa fácil. Então é só mandar para a Câmara, aprovar e mudar o edital adequando os valores.”
A Secretaria Municipal de Educação diz que a política de educação infantil tem sido um grande desafio para as capitais e municípios metropolitanos. A pasta informa estar estudando “uma forma de tentar estabelecer a revisão do edital, a fim de tornar o valor mais atrativo”. A secretaria reconhece que o edital passado “resultou em deserto” e por isso há necessidade de um novo estudo e envio para a aprovação da Câmara.
Em nota, o Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS) diz ter tido reuniões com a Secretaria sobre o tema e espera por mudança nas regras. “O Sinepe/RS aguarda a publicação do edital por parte da Prefeitura, com as regras em relação ao assunto. Já tivemos reuniões com o município para discutir os valores oferecidos, e agora, aguardamos um posicionamento da secretaria.”

JudicializaçãoCom a compra de vagas na rede privada de educação infantil empacada, a Prefeitura planeja abrir outro edital para ampliar a parceria com as entidade sem fins lucrativos. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, o novo edital deve sair “em breve”. A pasta informa ter inserido mais 500 crianças de zero a três anos nas escolas conveniadas em 2022, além de ter aumentado a carga horária em 23 escolas.Outra forma de inserção de crianças tem ocorrido por via judicial. Ao procurar vaga em creches para seus filhos e não encontrar, pais têm recorrido à Defensoria Pública para obrigar a Prefeitura a comprar vagas na rede privada. São cerca de 750 crianças atualmente matriculadas dessa forma. Como medida de proteção para evitar qualquer tipo de constrangimento, esses alunos não são identificados. O correto é nem os professores saberem quais alunos estão ali graças a decisão da Justiça.
Para tentar contornar a pressão judicial, em junho a Prefeitura anunciou acordo com a Defensoria Pública para melhorar os fluxos de identificação e disponibilização de vagas para a educação infantil na Capital. No documento, o governo municipal se compromete a encaminhar alunos para a rede privada em caso de inexistência de vagas na rede pública ou conveniada.
A perspectiva é que o acordo evite o ajuizamento de pelo menos uma centena de ações e atenda 100 famílias. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, o valor médio gasto mensalmente com cada aluno que a Justiça determina a compra de vaga na rede privada é de R$ 1.021,66. Os valores mais altos estão no bairro Praia de Belas. Já o bairro Lomba do Pinheiro tem a menor média de preço.
O acordo firmado em junho prevê que caberá à Defensoria Pública receber e conferir a documentação das famílias assistidas e fazer o encaminhamento à Secretaria Municipal de Educação (Smed). São requisitos para o encaminhamento a comprovação de vulnerabilidade ou hipossuficiência econômica da família para crianças de zero a três anos e a comprovação de trabalho ou ocupação dos pais nos dois turnos, em caso de vaga de turno integral. A Defensoria também deverá apresentar três orçamentos de escolas localizadas até dois quilômetros de distância da residência da criança ou local de trabalho dos pais.
Após o encaminhamento do pedido, a Smed terá prazo de 10 dias para informar sobre a existência de vaga em escola pública, conveniada ou a compra da vaga na rede privada. Caso os valores apresentados nos orçamentos extrapolem 25% do padrão médio estimado na mesma região, ou haja vaga na rede privada com menor custo, a secretaria pode recusar a compra na instituição indicada no pedido.
Apesar de ver com bons olhos o acordo entre a Prefeitura e a Defensoria Pública, a vereadora Mari Pimentel lembra que o orçamento de 2021 deixou de usar R$ 176 milhões reservados à educação. Por isso, ela cobra que o governo municipal agilize mais editais para as entidades conveniadas e resolva logo o problema da compra de vaga na rede privada aprovada em lei. “A gente precisa fazer a coisa andar. Que associações sem fins lucrativo que têm interesse em colocar mais creches no município, consigam fazer, e também aquelas escolas privadas que queiram.”
Foto: Guilherme Santos/Sul21
Fonte: Sul21