Notícia SINASEFE IFSul

30 de abril 2025

Com tarifa mais cara do Brasil, Sulgás privatizada é criticada pelo setor industrial do RS

Com tarifa mais cara do Brasil, Sulgás privatizada é criticada pelo setor industrial do RS O primeiro item da pauta de reivindicações que a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) entregou ao governador Eduardo Leite (PSDB), no dia 18 de março, dá a exata medida do tamanho do problema que envolve o fornecimento de gás natural pela Sulgás. Cristalino como a água, o documento diz: “Revisão das taxas da Sulgás: É urgente a revisão dos cálculos das taxas superestimadas aplicadas pela Sulgás às indústrias, que impactam diretamente a competitividade do setor”.O custo e o fornecimento do gás natural às indústrias gaúchas têm sido motivo de forte reclamação de empresários do setor no Rio Grande do Sul. Desde que a empresa foi privatizada, em 2022, o gás natural vendido pela Sulgás se tornou o mais caro do Brasil.O último embate ocorreu na revisão tarifária de 2024, concluída somente em 2025. Em novembro do ano passado, a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) aprovou o reajuste de 7% da margem bruta da Sulgás, fazendo com que o metro cúbico de gás natural comercializado pela distribuidora passasse de R$ 0,4681 para R$ 0,5014. O detalhe é que a proposta original da empresa era de R$ 0,8207, o que significaria um aumento de cerca de 75%.Em março deste ano, porém, a Agergs acatou o recurso da empresa e reconsiderou sua decisão, aprovando um aumento de cerca de 60% da margem da distribuidora, elevando para R$ 0,7545 o metro cúbico de gás natural. A chamada margem bruta é a parcela que cobre todos os custos operacionais da empresa e também remunera seus investimentos. Ao mudar seu entendimento de novembro do ano passado, a Agergs acatou o argumento da concessionária de incorporar o imposto de renda de pessoa jurídica como um item que compõem o cálculo da revisão. O último aumento foi o terceiro desde que a Sulgás foi privatizada.“Desde a privatização, a tarifa de distribuição de gás mais que triplicou. A última resolução aponta para um aumento anual de 60%. Não me recordo de qualquer serviço público que tem um aumento de 60%”, afirma Adrianno Lorenzon, diretor de Gás Natural da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).Para ele, o processo de privatização em si não é um problema. Todavia, ressalta que quando a privatização é feita de uma forma que não se vislumbra os possíveis impactos e se tenta, de alguma forma, se preparar para esses impactos, o resultado é muito ruim.“Se isso acontecesse com água ou energia, tenho certeza que ia ter uma greve geral no Rio Grande do Sul, que tudo ia parar. Seria uma gritaria grande, mas como o gás natural tem clientes muito específicos e voltados principalmente à indústria, acaba que a reverberação ainda é muito pequena”, pondera.Lorenzon conta ter ouvido de um associado a orientação para sua equipe analisar um caminho alternativo ao uso do gás natural. Para ele, é provável que os industriais do RS comecem a procurar outras fontes de energia em substituição ao gás natural que encareceu. “É um tiro no pé que a Sulgás está dando porque ela está matando os seus próprios clientes com esse lucro exacerbado que está tendo nos anos iniciais de concessão.” Ele avalia que as empresas poderão buscar outras opções de combustível, como a biomassa (matéria orgânica), GLP (gás de cozinha), óleo combustível e energia elétrica.A Sulgás foi privatizada pelo governo de Eduardo Leite (PSDB) em 2021, com o negócio tendo sido consolidado em 2022, comprada pela Compass Gás & Energia, empresa pertencente ao Grupo Cosan, por R$ 927 milhões.
O problema da privatizaçãoO diretor de Gás Natural da Abrace conta que, na época da privatização, sugeriu ao governo estadual que aproveitasse a venda da Sulgás para revisar o contrato. A entidade entendia não ser correto privatizar a empresa mantendo os termos de um contrato “completamente ultrapassado” assinado na década de 1990. Entretanto, o governo Leite  decidiu não seguir a sugestão. “É um contrato muito ultrapassado do ponto de vista da relação investidor e consumidor”, diz Lorenzon.Para ele, embora o problema tenha começado no contrato, há mais questões, visto que outros estados do Brasil têm o mesmo contrato e a tarifa de gás é 1/3 da Sulgás. Lorenzon avalia também ser um problema do RS o poder concedente (governo estadual) parecer estar “meio perdido” no que está aprovando em relação ao plano de investimento da Sulgás, sem entender os impactos que os investimentos podem trazer para a tarifa.“Nessa última revisão tarifária, eles aprovaram R$ 100 milhões de investimento, sendo que a base de remuneração é R$ 300 milhões. O que quer dizer? Ele está aumentando em 30% a base de remuneração da concessionária em um ano. Isso é inviável. É óbvio que isso vai dar um pulo na tarifa, sendo que ele aumenta em 30% o investimento e a demanda aumenta em 1%. A conta não fecha”, explica.Outro aspecto destacado por Lorenzon é o trabalho da Agergs. Como reguladora, ele avalia que a agência não tinha conhecimento do setor de distribuição de gás natural e está aprendendo agora nos últimos três anos, ao mesmo tempo em que sofre com a falta de recursos e equipe especializada. “Quando você junta isso tudo, é o resultado que está dando, que é a concessionária obter resultados extraordinários e isso se reverte na tarifa, que vai se tornar a mais cara do Brasil”, ressalta.O encarecimento do gás natural no RS, na avaliação de Lorenzon, pode causar a redução da produção industrial no estado. Afinal, se uma indústria tem uma planta no Rio Grande do Sul e outra em São Paulo ou em Pernambuco, ela vai aumentar a produção onde tem custo menor. De modo semelhante, na hora de decidir novos investimentos e aumento da produção, tal decisão tende a não ser no Rio Grande do Sul, se essa produção depende de gás natural.O diretor da Abrace salienta que tanto o governo estadual quanto a Agergs precisarão entender qual o papel do gás natural no Rio Grande do Sul: se é para a Sulgás ter resultados “exorbitantes” ou se é para o uso do gás natural colaborar no desenvolvimento econômico do estado, aumentando a produção industrial.A Sulgás iniciou a comercialização de gás natural em 2000, com a conclusão do gasoduto Bolívia-Brasil e, desde sua criação, em 1993, atua como uma sociedade de economia mista. A Compass arrematou 51% do capital social da companhia, que pertencia ao governo gaúcho. Os 49% restantes pertencem à Petrobras Gás S.A. (Gaspetro).
Revisão do contratoVice-presidente da Fiergs, Ricardo Portella Nunes critica o fato de o antigo contrato não ter sido alterado na privatização da Sulgás e diz que isso é extremamente prejudicial ao RS, pois as indústrias estão num mercado muito competitivo. Para ele, a incorporação do imposto de renda de pessoa jurídica como um item que compõe o cálculo da revisão, reivindicada pela Sulgás e aceita pela Agergs, é um “absurdo” que precisa ser revisto, apesar de estar no contrato.“É um contrato com problemas. Do jeito que está, é vantajoso para a empresa. Em algum momento, vamos ter que mexer nisso”, projeta. Portella tem consciência de que a Sulgás resistirá a qualquer mudança contratual, mas avalia que isso “faz parte do jogo”.A relação entre a expansão da rede de gás natural no RS e o volume de gás que chega no estado é outro ponto de discórdia. Segundo Portella, o gasoduto que abastece o estado fornece 2 milhões de metros cúbicos por dia, quantidade que, diz ele, precisaria ser no mínimo 20% superior. A questão é que a Sulgás tem feito investimentos na expansão da rede, sem no entanto aumentar o volume de gás que chega ao RS.“Para a Sulgás, se ela fizer investimentos em rede, mas com o mesmo gás, ela ganha e as indústrias pagam por isso”, reclama o vice-presidente da Fiergs. Por isso, ele questiona a real necessidade de expansão da rede sem haver maior quantidade de gás natural. “Para nós, é melhor não fazer investimento porque falta gás. Quem tem monopólio está sujeito a regulação e deve se curvar.”Também coordenador do Conselho de Infraestrutura da Fiergs, Portella comenta que a entidade é favorável ao gás natural, mas defende que o contrato seja justo para ambos os lados. Outro ponto de crítica é a inclusão da Contribuição Social sob Lucro Líquido (CSLL) no cálculo da tarifa, algo que, segundo ele, não está no contrato.Assim como Adrianno Lorenzon, diretor de Gás Natural da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Portella diz que o problema não é a privatização em si, mas o modelo em que foi feita a venda da Sulgás. Nesse sentido, ele ressalta que a própria Agergs precisa aprender a regular o setor, uma novidade para a agência, que enfrenta agora dificuldades semelhantes às vividas por outras agências reguladoras com as privatizações das últimas décadas em diferentes áreas de economia.“O gás vai ter que seguir esse caminho, talvez com quebra de monopólio”, reflete.Em nota, a Sulgás afirma estar “seguindo à risca o determinado pelo contrato de concessão, ampliando investimentos na extensão de rede no Estado e no benefício a mais clientes, sempre com segurança e qualidade nos serviços”.A empresa destaca ter alcançado, em 2024, o recorde de R$ 100 milhões investidos no RS e 100 mil clientes, contra R$ 46 milhões do período pré-privatização. Ainda assim, diante dos questionamentos que tem recebido do setor industrial gaúcho, a empresa recentemente anunciou o corte em investimentos.“O Plano de Investimentos da Sulgás é aprovado todos os anos pelo Poder Concedente. A falta de segurança jurídica e regulatória, no entanto, levaram a companhia a reduzir investimentos em 2025. Dos R$ 130 milhões previstos, os valores ficaram em R$ 67 milhões em 2025, com paralisação de obras em especial na Serra Gaúcha e Região Metropolitana. Segurança jurídica é item fundamental para a atração e manutenção de investimentos tanto nos Estados, quanto município e União”, explica a empresa.Procurado pela reportagem do Sul21, o relator do pedido de aumento da Sulgás na Agergs, conselheiro Alexandre Alves Porsse, não quis se manifestar. Por sua vez, a presidente da Agergs, Luciana Luso de Carvalho, em audiência realizada nesta terça-feira (29) para julgar recurso da Abrace e da Fiergs, ponderou que o setor de gás natural no RS ficou sem regulação de forma independente por mais de 20 anos e que a agência está assumindo há pouco essa responsabilidade.

Foto: Divulgação/SulgásFonte: Sul21