Notícia SINASEFE IFSul

15 de agosto 2022

CAU/RS acompanha com preocupação avanço do autolicenciamento de obras

CAU/RS acompanha com preocupação avanço do autolicenciamento de obras Ao longo dos últimos anos, estados e municípios avançaram rapidamente na adoção de processos de autolicenciamento para construções de pequeno de porte, passando a conceder licenças apenas com o envio de informações e o pagamento de taxa. Em geral, estes processos transferem a responsabilidade de garantir que a construção segue a legislação para um profissional que assina como responsável técnico e dá um parecer de que aquela obra está de acordo com as regras. No entanto, a eliminação de etapas do licenciamento tem preocupado entidades representativas de profissionais que atuam na área. No final de julho, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS) aprovou uma manifestação que considera como um “equívoco” a adoção do autolicenciamento.No Rio Grande do Sul, a modalidade de autolicenciamento ambiental apareceu inicialmente na reforma do Código Ambiental, realizada em 2019, sendo liberada para 47 atividades produtivas. Contudo, entrou em vigor, na prática, apenas no primeiro semestre deste ano.
Em Porto Alegre, a adoção do autolicenciamento passou a valer em junho de 2020 por um decreto do então prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), que instituiu o licenciamento expresso. Nesta modalidade, o responsável técnico (engenheiro ou arquiteto) se responsabiliza por garantir que o projeto e obra de um imóvel está em conformidade com a legislação vigente, dispensando etapas como a realização da vistoria presencial.Já em março de 2021, o atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), sancionou a lei que criou o Licenciamento Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), chamado de autolicenciamento ambiental, que passou a valer para empreendimentos considerados de baixo ou médio potencial poluidor, de qualquer porte.À medida que outros municípios e estados do Brasil também avançavam na adoção de processos de autolicenciamento, o Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM) buscou padronizar a nível nacional a classificação de risco no direito urbanístico e permitir o autolicenciamento de edificações de pequeno porto.Em 11 de dezembro de 2020, o CGSIM publicou a Resolução nº 64, que, sob o argumento de desenvolver a atividade econômica de baixo risco — considerando construções de baixo risco obras de até 1.750 m², com máximo de três pavimentos –, passou a permitir que elas fossem dispensadas de licenciamento urbanístico prévio e da obtenção do documento Habite-se.A resolução foi revogada em 3 de março de 2021, pelo próprio CGSIM, que considerou que eram necessárias adequações em razão da complexidade e abrangência da resolução, que estabeleceu sistema descentralizado, digital, integrado e declaratório para licenciamentos de obras e edificações de pequeno porte.O tema do autolicenciamento e da padronização das normas no Brasil ainda tem motivado constantes discussões entre as entidades que atuam no setor da construção civil. No manifesto aprovado em julho, o CAU/RS considera que “a inércia ou a inação dos órgãos responsáveis pelo desempenho de determinadas funções técnicas, podem gerar problemas graves, expondo, inclusive, a comunidade a riscos ou danos materiais, tanto à segurança, quanto à saúde e ao meio ambiente, incluindo-se aqui, não só o profissional habilitado, mas também o agente público responsável pela aprovação de projetos ou pela concessão de licença para construir”.Presidente do conselho, Tiago Holzmann destaca que a entidade tem discutido o tema do autolicenciamento desde 2018 e que tem atuado de forma mais intensa a partir da Resolução 64, que busca nacionalizar a questão do autolicenciamento. Ele pontua que o CAU/RS é a favor de tornar os processos de licenciamento mais céleres, transparentes e objetivos, mas diz que isso não significa eliminar os procedimentos.“As propostas de soluções que a gente têm visto são muito simplórias, de que o licenciamento não vai mais existir e o profissional passa a declarar que está de acordo com a lei. Esse entendimento nosso é que é ilegal. Ou seja, a fiscalização do licenciamento é uma prerrogativa do Estado, do órgão público, e é indelegável. Nós não aceitamos, inclusive porque ela coloca uma responsabilidade no profissional que não é dele. Nós somos responsáveis pelo trabalho técnico para o qual a gente tem formação e atribuição, nós não podemos assumir, em nome do Estado, o licenciamento de projetos e a declaração de autolicenciamento”, afirma.Holzmann explica que a avaliação do CAU/RS é de que o autolicenciamento seria até inconstitucional, uma vez que representa a delegação de uma responsabilidade do poder público para um terceiro privado, seja ele o construtor, o proprietário do imóvel ou um técnico.
“A nossa tese jurídica é muito singela, quem delega está assumindo o risco justamente com quem foi delegado. Então, se eu delego alguma responsabilidade minha, esse risco, essa responsabilidade não deixa de ser minha. Ou seja, eu estou confiando nessa delegação. Então, todo e qualquer problema, sinistro, prejuízo ou malfeito que houver, o prefeito, no caso dos municípios, em última análise, é o responsável. Ou seja, se houve um autolicenciamento e depois ele não se confirma, o prefeito é responsável, porque ele delegou uma responsabilidade que era sua”, diz.
Ele avalia ainda que, apesar de as propostas de autolicenciamento dos diferentes entes versarem sobre processos diferentes e terem aspectos distintos, há problemas que se repetem em todas as esferas. Para além da delegação da responsabilidade, ele pontua que o autolicenciamento também traz risco para a sociedade.“A gente percebe que, aparentemente, os prefeitos e os secretários da área de planejamento dos municípios parece que acharam a grande solução para os seus problemas, que é simplesmente não mais licenciar nada ou simplificar ao extremo, ao ponto de que eles não têm mais responsabilidade nenhuma, se eximem da responsabilidade. Isso nos parece que é inaceitável, tanto do ponto de vista técnico, como do ponto de vista legal, em última análise, visando a segurança da sociedade. Nós não podemos delegar a uma parte interessada a autorização para que aquele fato, aquela questão aconteça. Um profissional, um empreendedor e um proprietário são partes interessadas, eles não podem receber uma delegação para fazer o licenciamento em nome da sociedade, em nome do bem público e coletivo”, avalia.Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus) defende o fortalecimento do responsável técnico e o papel dele nos processos de licenciamento.“Esses profissionais estão aptos e capacitados para avaliar as exigências legais, atendendo-as e zelando pelo seu cumprimento. Nossa visão de cidade é de que o corpo técnico municipal deve trabalhar na produção das políticas públicas, focando nas ações de monitoramento dos processos e na fiscalização das atividades”, diz nota da pasta.A Smamus defende ainda que tem trabalhado na digitalização, simplificação e automatização dos procedimentos, avaliando que isso tem reduzido a morosidade do licenciamento e liberado os técnicos da pasta para outras tarefas.“Nossos técnicos têm atuado cada vez mais como orientadores e facilitadores dos processos de licenciamento, por meio de disponibilização de Manuais, realização de oficinas de qualificação com os responsáveis técnicos e também com vídeos tutorais no canal da Smamus no Youtube. No momento do protocolo, é possível acessar todas as informações necessárias pelo Portal de Licenciamento e os plantões técnicos para tirar dúvidas são realizados mediante agendamento”, diz a nota.
Falta de padronizaçãoPedro Xavier de Araújo, coordenador da Comissão de Política Urbana e Ambiental (CPUA) do CAU-RS pontua que a primeira queixa dos arquitetos, engenheiros e profissionais que atuam na construção civil é quanto à falta de uniformidade, clareza e celeridade, bem como o excesso de burocracia, nos processos de licenciamento nos municípios brasileiros.“Arquitetos, por exemplo, que trabalham em mais de um município, quando chegam no município novo para fazer um projeto têm muita dificuldade de encontrar quais são as regras dos procedimentos. Muda muito de um município para o outro, então perde-se muito tempo, o pessoal fica meio perdido com isso”, diz.
Araújo também avalia que os municípios e estados abrem mão de seu papel fiscalizatório nos processos de autolicenciamento. “Nessa modalidade, o arquiteto assume a atribuição e a responsabilidade que caberia ao poder público de fiscalizar e garantir o atendimento do interesse público da sociedade. Só que a gente entende, no caso do Rio Grande do Sul, que é um erro. Tem uma parte do setor da construção civil que comemora, inclusive colegas da arquitetos que enxergam vantagem e preferem. ‘Eu vou declarar eu mesmo e pronto, minha obra já sai aprovada no outro dia e eu sigo a vida’. Porém, a gente entende que, sem perceber, os arquitetos estão assumindo uma responsabilidade muito grave, vitalícia, que pode prejudicar toda a sua atividade, além de prejudicar a cidade e a sociedade como um todo”, diz.Araújo pontua que o CAU-RS concorda com a qualificação e agilização dos processos de licenciamento, bem como com a adoção das tecnologias disponíveis e que haja mais uniformidade entre os municípios — resguardada a autonomia local –, mas que isso não pode significar repassar aos profissionais responsabilidades que são do poder público.Raquel Hagen, vice-presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura no Rio Grande do Sul (Asbea-RS), diz que a entidade não vê o autolicenciamento como algo “completamente inadequado”, mas que é necessário que existam determinadas condições para que ele possa ocorrer da forma correta na prática. Entre as condições, está, segundo ela, que a legislação não seja ambígua ou tenha sobreposições.“O que acontece muitas vezes é de tu não teres acesso a 100% da legislação, ou ela tem informações que não são claras, ou uma lei se sobrepõe a outra e daí, nesse sentido, fica muito complicado para o profissional assumir uma responsabilidade baseado numa legislação que não está clara, não está disponível”, diz.Ela pontua que a entidade vem discutindo com a Prefeitura de Porto Alegre o fato de que, juntamente com a simplificação dos processos, é necessária uma revisão e simplificação da legislação. “A gente entende que é um é um processo gradativo, mas que é muito importante que essa simplificação, que é essa leitura de legislação, seja mais clara, mais direta”, diz.
Para Raquel Hagen, esse processo de revisão da legislação deve ocorrer junto com a revisão do Plano Diretor da cidade, mas salientando que a simplificação não significa desproteção. “Acho que a legislação tem que ser simplificada no sentido não de colocar a sociedade em risco em risco, claro, mas de leitura mesmo, de entendimento, para que o profissional tenha condições de atender a legislação por ela ser de uma leitura mais clara, não no sentido dela ser ineficaz ou inexistente”, diz.
Raquel afirma que um dos problemas as legislações de licenciamento, o que ocorre também em Porto Alegre, é a sobreposição de leis, como no caso de decretos que são editados sem que leis anteriores sobre o tema sejam totalmente revogadas.“Só alguns artigos são revogados, então, como profissional, tu tem que ter conhecimento não só do decreto mais atual, mas também dos anteriores, porque um se vincula ao anterior e daí acaba havendo sobreposições. Em Porto Alegre, a gente tem algumas questões de sobreposição até que não deveriam acontecer, por exemplo, entre o Plano Diretor e o Código de Obras”, diz. “São legislações diferentes, que tem especificidades diferentes e abrangências diferentes. Não posso ter itens de Plano Diretor dentro do Código e vice-versa, é preciso existir regras claras para que cada uma dessas legislações aconteça”, complementa.
Fonte: Sul 21 / Imagem: Canva