Desmanche de políticas públicas
A redução orçamentária se refletiu no desmanche de diversas políticas e programas que eram coordenados pela SNJ. Entre eles, estão o Juventude Viva, programa que articulava ações de combate à violência contra a juventude negra, e as Estações Juventude, equipamentos públicos destinados a jovens em territórios vulneráveis.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o ex-secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, disse que "essa análise orçamentária mostra o quanto o governo Bolsonaro coloca a educação e a juventude como uma não-prioridade". Segundo ele, "é notável que a capacidade da SNJ de articular as políticas transversais e de construir políticas próprias foi completamente desmontada no governo Bolsonaro".
"Isso vem articulado com o desmonte do investimento em educação, com o corte das verbas das universidades, com a fragilização de políticas sociais importantes, que também atendem a juventude", declarou Medina, que esteve no comando da secretaria de janeiro de 2015 a março de 2019.
"Não há nenhuma preocupação em constituir equipamentos de juventude, como as Estações Juventude; em articular uma política de segurança pública e de proteção das vidas dos jovens negros, como o Juventude Viva; e de ouvir a juventude brasileira com a conferência nacional, que já era para ter sido realizada", lamentou.
As Estações Juventude, mencionadas por Medina, ganharam nova roupagem sob Bolsonaro, e são chamadas de Estação Juventude 2.0. A iniciativa, uma das poucas que restou na SNJ, caminha a passos lentos. No quarto ano de gestão, apenas 16 cidades brasileiras contam com o equipamento, de acordo com o site da secretaria.
Conferência Nacional de Juventude: governo fechado à participação
A não-realização da 4ª Conferência Nacional de Juventude é enxergada com preocupação por Medina, já que o processo faz parte de uma das razões de existência da SNJ: a escuta da juventude brasileira. "Certamente, Bolsonaro finalizará o governo sem qualquer processo de consulta pública e de participação popular dos jovens", concluiu.
Em março de 2020, o governo federal chegou a publicar uma portaria convocando a 4ª Conferência Nacional de Juventude. Com a pandemia, no entanto, a realização foi adiada e, até o momento, não houve reagendamento ou posicionamentos públicos em relação ao processo participativo.
A conferência é um fórum nacional para debater os desafios e construir políticas públicas voltadas para o jovem. Convocada pela SNJ, reúne jovens de todo o país para debater metas e diretrizes que possam potencializar as iniciativas públicas direcionadas à população brasileira que tem entre 15 e 29 anos.
A última edição foi feita em dezembro de 2015, nos últimos meses do governo Dilma Rousseff (PT). A etapa nacional teve a presença de 2 mil delegados, além da própria presidenta, do rapper Emicida, do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, e de outras artistas e lideranças. Desde então, no entanto, o governo se fechou à participação juvenil. As duas primeiras edições ocorreram em 2008 e 2011.
Plano Juventude Viva: fim do combate ao genocídio da juventude negra
O Plano Juventude Viva foi lançado no governo Dilma para reduzir a vulnerabilidade dos jovens em situações de violência física e simbólica. A iniciativa priorizava 142 municípios com os maiores índices de homicídios de jovens, criando oportunidades de inclusão e autonomia, por meio da oferta de serviços públicos nos territórios mais vulneráveis à violência.
Apesar de limitada, tratava-se de uma iniciativa inédita para o enfrentamento à violência no país, feito a partir da promoção de direitos da juventude, em especial, a juventude negra. O Juventude Viva foi encerrado no governo de Jair Bolsonaro.
Mas, antes disso, a SNJ chegou a endossar a barbárie policial. Bruno Júlio, secretário nacional de Juventude na gestão Temer, disse, após dois massacres policiais em presídios do país, que a polícia "tinha era que matar mais" e que "tinha que fazer uma chacina por semana". Ele foi demitido do cargo após reações negativas.
SNJ nas mãos de Damares
Criada em 2005 como uma secretaria vinculada à Presidência da República, a SNJ hoje integra a estrutura administrativa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado de 2019 até abril deste ano por Damares Alves. A ex-ministra manteve, nos dois primeiros anos de gestão, a advogada Jayanne Nicaretta da Silva como secretária de Juventude.
Do início de 2021 a abril deste ano, quem ocupou o cargo foi a advogada Emilly Rayanne Coelho. O atual secretário é Luiz Franscisção. Todos eles são ligados à Damares Alves, que é pré-candidata ao Senado pelo Distrito Federal.
Na visão de Gabriel Medina, o comando de Damares reverteu uma lógica de atuação governamental pautada na autonomia. "As políticas públicas de juventude foram sendo construídas a partir do governo Lula e vinham se fortalecendo para atender a maior parcela de jovens da história brasileira, que precisam de políticas específicas, que precisam considerar direitos previstos no Estatuto da Juventude, que ainda não tinham sido garantidos pelo ECA", explicou Medina.
"Isso constituiu uma ideia do jovem como um sujeito de direitos para além dos 18 anos e com uma ideia muito mais centrada na autonomia, na emancipação e não na tutela", lamentou o ex-secretário nacional de Juventude.
Fonte: Brasil de Fato