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21 de março 2022

Agroecologia é exigência para enfrentar crise climática e civilizatória, diz dirigente do MST

Agroecologia é exigência para enfrentar crise climática e civilizatória, diz dirigente do MST “Celebração da vida. Essa é a expressão que melhor define o que estamos fazendo aqui hoje”. João Pedro Stédile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) definiu assim o significado da 19ª edição da Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, realizada na tarde desta sexta-feira (18), na Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), em Nova Santa Rita, na região metropolitana de Porto Alegre. Foi um dia de celebração e reencontros. Após dois anos sem realizar a festa da colheita por conta da pandemia de covid-19, os assentamentos e cooperativas do MST promoveram um encontro que reuniu centenas de pessoas na sede da Coopan. A festa da colheita contou também com representação de cooperativas do MST de outros estados, de entidades parceiras, populares, sindicais e políticas e apresentação cultural do Grupo Unamérica.Após as apresentações culturais e a mística de abertura, João Pedro Stédile e Luiz Marques, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), fizeram uma análise da conjuntura política, econômica, social e ambiental do Brasil. O diagnóstico de ambos foi marcado pela caracterização de uma confluência de crises, em nível nacional e internacional, uma verdadeira e dramática crise civilizatória. O uso da palavra ‘dramática’ não refere apenas uma adjetivação do das crises que se intercruzam enfrenta hoje, mas também a dificuldade de percepção da sociedade sobre a gravidade das mesmas e a velocidade em que estão se desenvolvendo, especialmente no caso da crise climática.Stédile destacou o significado do trabalho que o MST vem realizando como exemplo do tipo de agricultura que deve ser implementada para propiciar uma alimentação saudável à população e para enfrentar os desafios colocados pelas mudanças climáticas. “Nestes últimos quinze anos, os assentamentos do MST aqui no Rio Grande do Sul vem cumprindo o papel fundamental de ser uma vanguarda da produção agroecológica, uma experiência que deve servir de exemplo para toda a agricultura brasileira”. Essa exemplaridade, assinalou, está ligada, entre outras coisas, aos problemas climáticos que o país e o mundo já vem enfrentando. “Apesar das dificuldades que estamos vivendo na agricultura, ainda mais aqui no Rio Grande do Sul com a seca, a crise está nos ensinando que nós podemos, no futuro próximo, ter mais força para a produção agroecológica, para a alimentação saudável e para a reforma agrária popular. Agora, não é mais só um problema dos sem terra, mas da sociedade brasileira. O professor Luiz Marques vai explicar. Sem agricultura familiar e agroecologia não há como controlar o clima”.“Os nossos companheiros”, acrescentou, “com um trabalho de persistência, de teimosia, praticamente foram descobrindo as técnicas para se conseguir fazer uma lavoura em larga escala de grãos agroecológicos. E estamos falando de um grão que vai direto pra mesa do brasileiro, pois todo mundo come arroz. Estamos provando que é possível fazer agroecologia em larga escala para a produção de alimentos”. Stédile destacou ainda a capacidade que os agricultores e agricultoras dos assentamentos tiveram de seguirem com a lavoura, adotando os cuidados necessários, em meio a todas as dificuldades colocadas pela pandemia.
“Brasil vive maior crise de sua história”Ao falar sobre o momento político do país, Stédile afirmou que o Brasil vive a maior crise de toda a sua história. “É uma crise grave e profunda porque acumulou crise econômica, crise social, desemprego, volta da fome e a desigualdade. É também uma crise política, porque a burguesia deu um golpe contra a Dilma, apoiou Bolsonaro e a crise só se agravou. Então, nós chegamos a um ponto que agora o que pode nos salvar são as eleições. onde por meio do voto podemos mudar o governo que está aí”. No entanto, advertiu, não basta “botar o Lula lá”. “Nós temos que, ao longo desse ano, fazer um processo pedagógico para transformar a campanha do Lula numa campanha de massa. “Aqui, não é publicitário que deve decidir, não é dinheiro. Aqui o que vai decidir é que o povo tem que se engajar, arregaçar as mangas e fazer a campanha para o Lula. Porque não é uma campanha para uma pessoa, nem para o PT, nem para a esquerda. É uma campanha para mudar o Brasil”. Além de protagonizar uma campanha de massa, outro desafio apontado pelo dirigente do MST é transformar a campanha em um espaço para discutir um projeto de país. “Esse projeto de país tem duas fases, digamos assim. Nós temos algumas medidas de emergência que precisam ser tomadas. E vamos ter que ouvir o povo, consultá-lo sobre o que quer que mude no Brasil para melhorar a vida? No preço da gasolina, dos alimentos, na educação, na moradia, na reforma agrária. Vamos recolher essas propostas de aplicação urgente para tirar o povo do inferno”.Mas essas medidas emergenciais não serão suficientes, apontou. “Estamos vivendo uma crise do sistema capitalista como um todo, uma crise política e econômica. Nos últimos anos, foram à falência no Brasil 28 mil indústrias onde os trabalhadores perderam emprego e os capitalistas perderam a indústria. Então, não se recuperam 28 mil indústrias do dia para a noite. E é isso que nos leva à necessidade de discutir um projeto de país, medidas estruturais de médio e longo prazo, que recoloquem o Brasil como uma sociedade democrática e que desenvolvam a produção para resolver as necessidades da população”, concluiu.
“Uma crise sem precedentes na história da humanidade”“O que eu tenho a dizer para vocês não é uma coisa boa e vocês já sabem disso”, disse o professor Luiz Marques na abertura de sua fala que dialogou com o diagnóstico apresentado por João Pedro Stédile sobre as relações entre a crise climática e o modelo hegemônico de agricultura que vem sendo praticado no mundo. “Vocês já sabem que estamos vivendo uma situação, como disse o João Pedro, de uma crise sem precedentes na história do Brasil e da história da humanidade. Nós sabemos hoje que nós vivemos num sistema que nós chamamos de sistema terra. Esse sistema terra, esse planeta que é o único que nós sabemos até agora pelo menos em que existe vida, esse planeta está desequilibrado. Nos últimos doze mil anos se desenvolveram civilizações agrícolas, onde foi possível criar excedente, que tornaram possível termos um mínimo de segurança alimentar “, assinalou.Esses doze mil anos, acrescentou Luiz Marques, foram o período de maior estabilidade de que se tem notícia na história geológica do planeta nos últimos milhões de anos. “Nós aproveitamos, sem saber, um momento de grande estabilidade climática. Essa estabilidade foi o que permitiu a agricultura. Mas, desde os anos setenta,nós começamos a alterar o clima do planeta e essa alteração do clima do planeta está agora em aceleração. É muito importante entender o que significa essa aceleração. Ela é traiçoeira porque nós temos o hábito de projetar o futuro a partir da experiência do passado, mas o futuro que está diante de nós será diferente de tudo o que vivemos no passado”.O professor da Unicamp citou um número para ilustrar a gravidade desse quadro. “De 1970 até 2015, o planeta se aqueceu em média 0,18 graus Celsius por década. Mas de 2016 até agora e as projeções até 2040 quarenta apontam que o planeta vai se aquecer entre 0,32 e 0,36 graus Celsius por década. Isso significa que a nossa temperatura média, considerando a temperatura superficial, marítima e terrestre combinada, está aquecendo 1,2 graus Celsius”. “Alguém pode achar, ressaltou, que é uma variação pequena, considerando uma variação dessas que ocorre em um dia. Mas, levando em conta o sistema terra como um todo, é um aquecimento que significa um desequilíbrio dramático que está associado, entre outros fatores, a um modelo de agricultura baseado fundamentalmente na produção de proteína animal”. Esse modelo é insustentável, defendeu, e o próprio agronegócio será atingido por ele, pois não está entendendo o que está acontecendo no planeta e o impacto do atual modelo de produção agrícola sobre o nosso ecossistema.
Almoço coletivo e colheita simbólicaApós as análises de João Pedro Stédile e Luiz Marques, lideranças políticas e sociais se manifestaram no salão da Coopan. Vinculado historicamente às lutas do MST, o deputado estadual e pré-candidato ao governo do Estado, Edegar Pretto, assumiu, diante dos agricultores e agricultoras, o compromisso de, caso eleito, implementar um programa de governo onde “nenhuma mãe irá dormir de noite sem saber se terá comida para alimentar seus filhos no dia seguinte”. O que estamos celebrando aqui hoje, disse ainda Edegar Pretto, é um exemplo de que é possível produzir alimentos de qualidade, sem agrotóxicos, em larga escala, e garantir a sua distribuição para toda a população.Após o almoço coletivo, que reuniu algumas centenas de convidados, veio a última etapa do evento, que foi a abertura simbólica da colheita, a alguns minutos da sede da Coopan. Uma colheitadeira, carregando a bandeira do MST, fez a colheita em uma faixa de algumas dezenas de metros e depositou o arroz orgânico colhido junto ao público. A 19ª edição da Festa da Colheita chegou ao fim em um clima de celebração da produção agroecológica e do exemplo que os assentamentos e cooperativas do MST vêm dando para a construção de um outro padrão de agricultura no país.De acordo com o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), o MST é considerado, hoje, o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, e segue nessa posição há mais de 10 anos. As famílias assentadas estimam colher, na safra 2021/2022, mais de 15 mil toneladas, cerca de 310 mil sacas de 50 kg do produto, em aproximadamente 3.196,23 hectares. Essa produção é coordenada por nove cooperativas conquistadas por meio da luta do movimento pela Reforma Agrária Popular e produção de alimentos saudáveis, livres de veneno. O cultivo principal é de arroz orgânico nas variedades agulhinha e cateto. Em todo o estado, a produção do alimento é feita por 296 famílias, em 14 assentamentos, que se dividem em 11 municípios gaúchos das regiões Metropolitana, Sul, Centro Sul e Fronteira Oeste.
Fonte: Sul 21 / Imagem:  Luiza Castro/Sul21