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1 de julho 2019

TCU recomenda taxação de agrotóxicos conforme grau de toxicidade à saúde

Na Dinamarca, quanto mais perigoso forem os agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente, maior será a sua tributação. Além de arrecadar impostos para ajudar a custear o tratamento de doenças e a lidar com os danos ambientais, o governo encarece o produto, desestimula seu uso e investe em medidas para incentivar a agricultura sustentável, com alimentos saudáveis acessíveis para toda a população.A medida tem surtido efeitos. O país do norte da Europa caminha a passos largos para ter 100% de sua produção agrícola livre de venenos nos próximos 10 anos. A boa notícia foi trazida pela ministra-conselheira da Embaixada Real da Dinamarca no Brasil, Laura Nielsen. Laura discutiu em audiência pública na Procuradoria-Geral da República na tarde desta quinta-feira (27), em Brasília, a isenção fiscal aos agrotóxicos no Brasil, uma situação completamente oposta.Sem apoio governamental, a transição da agricultura regada a chuvas de veneno para uma produção agroecológica é um sonho realizado por poucos, em pequenas propriedades. Projetos de políticas públicas nesse sentido caminham lentamente  no Congresso Nacional.Enquanto isso, os trabalhadores não têm acesso a alimentos de qualidade, como têm as classes mais favorecidas. Apenas uma elite tem na mesa alimentos nutritivos e saudáveis, como os produzidos antigamente, que mataram a fome da humanidade, do advento da agricultura até o pós-Guerra, quando as lavouras tornaram-se o alvo da indústria e suas armas químicas.Principalmente as do Brasil. De 2008 para cá, o país ocupa o posto de maior consumidor mundial desses produtos. Uma liderança que tende a se ampliar. Sob o governo de Jair Bolsonaro (PSL), o Brasil segue liberando novos produtos em velocidade jamais vista no mundo. Já são 239 em apenas seis meses, muitos deles perigosos e banidos em outros países.

Farra do venenoE o que é mais grave: União e governos estaduais dão sua contribuição à farra dos agrotóxicos. Há desoneração de tributos federais, como o Imposto de Importação (II), sobre produtos industrializados (IPI) e contribuições  como o PIS e Cofins. E estaduais, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que incidem sobre todos os produtos, inclusive aqueles de alta toxicidade.  Isso porque as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), reduzem em 60% a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para agrotóxicos.“Isso permite que em alguns estados, como no Ceará, haja isenção do imposto para agrotóxicos”, destacou João Alfredo Telles Melo. Professor de Direito Ambiental do Centro Universitário 7 de setembro (UNI7), de Fortaleza, e presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/CE, Telles é coautor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553/16, que questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) as cláusulas do convênio Sefaz e o o Decreto 7.660/11, sobre a isenção total de IPI.Em 2017, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou favorável à inconstitucionalidade da isenção. Em seu parecer, ela argumenta que os dispositivos contrariam direitos constitucionais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde coletiva e à proteção social ao trabalhador, além de fomentarem o uso intensivo desses produtos.A petição, protocolada pelo Psol, tem ainda a assinatura da advogada Talita Furtado, pesquisadora do Núcleo de Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (Tramas) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora no curso de Direito da Universidade Federal Rural do Ceará. Ambos participaram da audiência pública.
Agrotóxicos abatidosMas não é só. Como são insumos agrícolas, os agrotóxicos podem ser abatidos integralmente como despesa nos impostos sobre a renda de quem os utiliza. É o caso de grandes proprietários de terra, onde estão imensas plantações de soja, cana, eucalipto, milho e algodão, entre outras, regadas a grandes doses de agrotóxicos pulverizados de avião, que espalham doenças como câncer, malformações congênitas e outros problemas graves, incapacitantes e letais, que destroem vidas e oneram o SUS.Diretor de Agricultura e de Ordenamento Territorial da Secretaria de Controle Externo da Agricultura e Meio Ambiente do Tribunal de Contas da União (TCU), Vinícius Neves dos Santos trouxe dados alarmantes. O Tribunal estima que de 2010 a 2017 houve renúncia fiscal de quase R$ 9 bilhões devido à alíquota zero do PIS/Pasep e Cofins com a inclusão dos agrotóxicos entre os itens da cesta básica.Nesse período, a média anual da desoneração para agrotóxicos foi superior a R$ 1 um bilhão de reais, representando em torno de 8% do total da renúncia de receita dessas contribuições relativa à desoneração da cesta básica.  “Tanto que o TCU recomenda a desagregação dos agrotóxicos e demais itens no demonstrativo das desonerações para mais transparência no seu acompanhamento”, disse.
Em abril de 2018, o TCU publicou relatório de auditoria da governança da União na implementação da Agenda 2030, bem como a meta 2.4 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Conforme o documento, os ministros do tribunal  recomendam que o governo federal, com participação de autarquias como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos incidentes sobre as atividades de importação, de produção e de comercialização de agrotóxicos”.
Poluidor pagador“As desonerações tributárias concedidas no Brasil a agrotóxicos independem do nível de toxicidade e do potencial de periculosidade ambiental desses produtos, beneficiando igualmente agrotóxicos muito ou pouco tóxicos, muito ou pouco perigosos ao meio ambiente. Isso pode desestimular o desenvolvimento de alternativas mais sustentáveis sob os pontos de vista sanitário e ambiental”, destaca ainda o documento.Os ministros mencionam o princípio do poluidor-pagador, segundo o qual “os governos nacionais devem fomentar a internalização dos custos ambientais pelo poluidor, e o uso de instrumentos econômicos que impliquem que o poluidor deve, em princípio, arcar com os custos da degradação ambiental”. Tal princípio foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da assinatura da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, documento oficial aprovado por mais de 170 países na Conferência.
Em resumo, o TCU aponta que o governo federal não tem rotinas nem metodologia de acompanhamento e de avaliação das desonerações tributárias do II, do IPI, da Cofins e das contribuições para o PIS/Pasep referentes a agrotóxicos. “Não há objetivos, metas ou indicadores para a mensuração da eficiência, eficácia ou efetividade dessas medidas, de maneira que não se produzem informações avaliativas que retroalimentem o processo decisório sobre a manutenção, renovação, alteração ou extinção de cada incentivo tributário”.A expectativa de procuradores da República e representantes de entidades que apoiaram o debate, como a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e Terra de Direitos, é que o relator da ADI 5.553 no STF, ministro Edson Fachin, convoque audiência pública para respaldar seu voto.

Fonte: Rede Brasil Atual

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