Notícia SINASEFE IFSul

9 de julho 2020

Pandemia leva famílias a transferirem estudantes da rede privada para a pública

Após ser atingida financeiramente pela pandemia do novo coronavírus, a primeira coisa que a família de Simone Antoni precisou cortar foram as atividades extracurriculares. Nessa leva, as aulas de reforço, a psicóloga e a psicopedagoga do filho mais novo, de 8 anos, precisaram ser cortadas. Com o prolongamento da crise sanitária, que levou ao aumento das restrições no Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre, no início do mês de julho, a família agora se depara com a possibilidade de não ter mais condições de continuar pagando uma escola particular para o menino. “As coisas foram complicado, foram ficando mais difíceis”, diz Simone.Além disso, como a criança tem dificuldades para acompanhar as aulas do terceiro ano do Ensino Fundamental, a experiência online não tem funcionado para a família, o que torna mais difícil justificar a manutenção da matrícula na escola particular neste momento. “A gente está numa escola particular, a mensalidade está por vencer e uma coisa puxa a outra. No caso, eu não estou tendo o rendimento esperado e eu também não estou conseguindo suprir, e a coisa está se tornando cada vez mais difícil”, afirma.Diante deste cenário, Simone decidiu matricular o menino em uma escola da rede pública ao menos até o final do ano. Contudo, diz não estar conseguindo fazer a transferência. Moradora do bairro Cristal, em Porto Alegre, Simone diz que já visitou todas as escolas da rede estadual na região e que, em todas elas, ouviu a mesma resposta. “Disseram que a Secretaria não está permitindo novos alunos e transferências”, relata. Sem aulas presenciais desde março, as escolas estaduais estão abertas neste momento apenas para atendimento e coleta e entrega de atividades a serem realizadas à distância.Nesta terça-feira (7), Simone visitou a escola municipal da região e diz que não encontrou ninguém no local, apesar de um cartaz indicar atendimento nas terças e quintas-feiras.O temor dela é que, sem conseguir manter o menino na escola particular e sem conseguir matriculá-lo em uma escola pública, ele possa vir a perder o ano letivo e a família possa responder judicialmente. Nesta segunda-feira (6), Simone fez um desabafo nas rede sociais pedindo ajuda para saber como proceder nesta situação.No cenário de uma pandemia que provoca uma forte crise econômica e paralisa as aulas presenciais em todos os níveis educacionais, o caso de Simone certamente não é único. O Sul21 contatou as secretarias de Educação do Estado e do município de Porto Alegre, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul para compreender como ela deve proceder neste momento.De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (Smed), famílias que desejem transferir seus filhos para a rede municipal devem enviar um e-mail solicitando a transferência para ajustamento@smed.prefpoa.com.br. Contudo, a homologação da transferência não poderá ser feita neste momento, pois, devido às restrições em vigor para o enfrentamento à covid-19, não há atendimento presencial na Smed, o que impossibilita a apresentação de documentos necessários. Nesse caso, os responsáveis podem encaminhar o processo via e-mail e, quando os protocolos sanitários permitirem, concluir a transferência.Já a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) diz que os pedidos de transferência podem ser feitos por meio das Centrais de Matrículas e diretamente junto às escolas durante todo o ano letivo. No caso de Porto Alegre, o contato pode ser feito pelo e-mail: central-portoalegre@seduc.rs.gov.br. “Assim que é registrado o interesse pela vaga, o processo ocorre de forma imediata. O estudante já é incluído na turma e fica habilitado para se cadastrar na plataforma Google Sala de Aula das Aulas Remotas”, informou a pasta à reportagem. A orientação, portanto, é que as escolas possam efetuar a matrícula mesmo no atual momento.Após o contato da reportagem, a Seduc garantiu que iria resolver imediatamente a situação de Simone. A mãe confirmou que um representante da Secretaria de Educação entrou em contato com ela na tarde de quarta-feira (8), após a publicação da reportagem.

Possibilidade de puniçãoPromotora regional de Educação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Danielle Bolzan Teixeira destaca que a matrícula na educação básica é obrigatória para todas as crianças  a partir dos 4 anos e que, nos casos em que os pais desejem retirar os filhos da rede privada, deverão efetuar a transferência para a rede pública. “Não efetivar a transferência constitui abandono escolar e violação dos direitos da criança, passível de responsabilização”, diz resposta enviada a questionamento da reportagem. Uma criança em idade escolar que não estiver matriculada poderá gerar a abertura de uma Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficai).O tema foi tratado na Nota Técnica Nº 02/2020, do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões do MP-RS. “Por conta da suspensão das atividades escolares presenciais e dos efeitos econômicos da pandemia sobre a renda da população em geral, em virtude do não funcionamento de atividades econômicas consideradas não essenciais, as instituições de ensino privado passaram a ser demandadas pelos pais ou responsáveis financeiros dos alunos buscando descontos nas mensalidades escolares, ou até mesmo a rescisão da relação contratual, fato que inclusive ensejou a intervenção e atuação das Promotorias de Justiça com atribuição na tutela dos direitos do consumidor, dos Centros de Apoio Operacional do Consumidor e da Infância, Juventude, Educação, Família e Sucessões, da Sub-procuradoria-Geral de Assuntos Institucionais e do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição – Mediar MP, na construção de uma solução compositiva entre as instituições de ensino privado e os núcleos familiares”, destaca o MP.De acordo com a nota, o processo de responsabilização não pode ser aberto no caso de não adesão ou engajamento do aluno a atividades escolares não presenciais e também nos casos em que uma criança é afastada de uma instituição de ensino privado, mas não encontra vaga na rede pública. Por outro lado, configura afastamento injustificado, portanto passível de responsabilização dos pais, o caso em que a família desvincula a criança da rede privada, mas não a matricula na rede pública de ensino, embora haja vaga.
Confira a nota técnica do MP sobre o assunto ao final desta reportagem:
Orientação para acionar o Conselho TutelarCoordenadora da Câmara de Conciliação de Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, Ana Carolina Zacher, que tem atuado com situações semelhantes a da família de Simone, confirma que muitos pais têm encontrado dificuldades para fazer a transferência da rede privada para a pública no momento atual. “O que acontece? Eu tive que interceder em algumas situações onde as escolas estavam proibindo esses pais de tirarem os filhos, porque os pais têm responsabilidade”, diz a defensora.Zacher salienta que nenhuma escola privada pode pressionar os pais de manterem a matrícula, porque trata-se de um contrato civil e que uma família não pode ser obrigada a mantê-lo. Contudo, como cabe à escola o papel de fiscalização, a instituição pode comunicar o Conselho Tutelar e o Ministério Público do cancelamento da matrícula, caso haja a suspeita de que a criança ficará afastada de qualquer instituição de ensino.
A defensora explica que a Câmara de Conciliação pode ajudar os pais que estejam nesta situação e aconselha que, em primeiro lugar, seja feita uma tentativa de negociação com as escolas — por e-mail, para que fique registrado — para a redução da mensalidade a um “valor suportável”. Caso nenhum valor seja suportável neste momento, a orientação da defensora é que a família procure o Conselho Tutelar de sua região para ajudar no encaminhamento da criança para a rede pública.
“Por que o Conselho Tutelar? Porque as escolas públicas estão todas fechadas, a Secretaria de Educação não tem o que fazer, porque a rede está suspensa. O que o Conselho Tutelar vai fazer? O Conselho Tutelar vai fazer o pedido de vaga para alguma escola, esse pedido não vai ser atendido, vai ficar represado, mas vai ficar registrado. Essa pessoa vai receber uma declaração dizendo que esteve no Conselho Tutelar e que foi feito um pedido de vaga para a criança X na rede pública, mas que até agora não houve resposta. Aí, com esse pedido, a pessoa vai diretamente na escola [particular], ou por intermédio da Câmara de Conciliação da Defensoria Pública, faz o pedido de cancelamento da matrícula, por isso, isso e aquilo, mostra o comprovante e cancela a matrícula. Vai para a casa e encerrou o assunto. Quando as coisas voltarem ao normal, vai ter esse pedido de vaga na rede pública represado, aí a pessoa entra em contato com a secretaria estadual ou municipal de educação, conforme a idade da criança, para ver em que pé anda o pedido de vaga”, explica a defensora.Nesse meio tempo, a criança pode ficar em casa e a família não correria o risco de contrair dívidas por inadimplência junto à escola particular. Ana Carolina Zacher frisa que não é possível deixar a criança fora da escola sem motivo, mas, como nesse caso há um motivo e uma explicação plausível, a pandemia, a família ficaria isenta de responsabilização mesmo no caso de ser acionada, posteriormente, para responder porque a criança permaneceu um período sem estar matriculada.“A família tem todos os documentos para dizer que tentou negociar a mensalidade, que a escola não quis ou que não tem condições de pagar, que pediu vaga na rede pública e não conseguiu e que foi no Conselho Tutelar. Aí a pessoa está acautelada. Então, essas são as providências que estou indicando para as pessoas fazerem. Pelo bom senso, acredito que ninguém vai ser responsabilizado”, afirma a defensora.Para maiores esclarecimentos, a Defensoria Pública do Estado pode ser acionada pela telefone: (51) 3225-0777.
Fonte: Sul 21