Notícia SINASEFE IFSul

4 de dezembro 2019

Marchezan projeta entregar "contas no azul" investindo apenas 10% do valor previsto em orçamento

Um dos principais desafios de qualquer governo é determinar para onde serão direcionados os investimentos públicos. Depois disso, o foco, em termos econômicos, deve ser a execução do que foi aprovado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) anual. Neste sentido, a gestão de Nelson Marchezan Junior (PSDB) deixou a desejar em 2019, na avaliação de analistas.De R$ 917 milhões aprovados pela Câmara de Vereadores no final de 2018 para o exercício atual em investimentos, somente R$ 232 milhões foram empenhados e, até outubro deste ano, haviam sido efetivamente pagos R$ 88 milhões – o equivalente a 10% do orçamento previsto para despesas do gênero. Ainda assim, em volume, este valor se aproxima do aplicado em investimentos durante todo ano de 2018 e supera o de 2017, quando a Prefeitura cumpriu aproximadamente 50% da injeção de recursos (R$ 43 milhões) previstos na LDO.O Paço Municipal chegou a pedir a devolução de R$ 40 milhões em recursos do Legislativo para cobrir o déficit e a presidente da Câmara, Mônica Leal, anunciou o repasse da metade dos valores solicitados. Mais adiante, o secretário da Fazenda, Leonardo Busatto, afirmou que um esforço conjunto do governo possibilitou a quitação dos salários.Na LDO deste ano, que levou o número 12.457, o Executivo destacou que a cobertura do déficit projetado seria “alcançada por receitas extraordinárias, formadas por possíveis financiamentos indicados pelas secretarias municipais”. Às vésperas do último ano de gestão, Marchezan anunciou há poucos dias a disponibilidade de cerca de R$ 1 bilhão em financiamentos, para projetos de melhorias em saneamento, drenagem, segurança e pavimentação de vias da cidade. “Mas, pelo menos até agora, só vimos Marchezan reduzir investimentos”, provoca o economista. Sobre a diferença em torno de R$ 700 milhões (no orçamento previsto), Muzell avalia que “não dá para apresentar um valor destes (R$ 917 milhões) em janeiro e chegar a outubro (com R$ 232 milhões), tão longe do aprovado”.Ao comparar com governos anteriores recentes, observa que esta gestão “investe em R$ 400 milhões a menos (do que vinha sido investido em média no decorrer de dez anos) e paga R$ 500 milhões a menos na folha do funcionalismo, uma vez que aumentou a contribuição previdenciária e não está repondo o IPCA nos salários”. O economista refere-se ao congelamento da remuneração dos mais de 34 mil servidores, que estão sem reajuste desde o primeiro semestre de 2016. “De lá para cá, a inflação foi de 12,65%. As duas situações somadas geram um efeito de R$ 1 bilhão por ano a menos na economia da cidade”, calcula Muzell.Para piorar, em junho de 2017 foi iniciado o parcelamento dos salários dos servidores, sob o argumento de grave crise financeira enfrentada pelo Município. A medida se estendeu até novembro daquele ano. Com o ingresso de receitas do IPTU, os salários voltaram a ser pagos integralmente no final de dezembro de 2017 (exceto o 13º salário, que foi parcelado em dez vezes durante 2018) e permaneceram em dia até o final de junho do ano passado.No mês seguinte, o parcelamento foi retomado e se estendeu até dezembro, em relação à folha de novembro. Mais uma vez o pagamento do 13º salário foi parcelado em dez vezes, e acertado em 2019. O valor bruto das matrículas totaliza R$ 232 milhões. Em 2019 não houve atrasos. De acordo com o secretário municipal da Fazenda, “foi necessário um grande esforço de ampliação das receitas próprias, racionalização dos recursos e contenção de despesas” para que a Prefeitura pagasse em dia os servidores. Além disso, em novembro foi concluído o pagamento do 13º salário de 2018.
Impactos no comércio e nos serviçosSe por um lado a Prefeitura aponta que o aumento de receita (de 6,6% nominal entre o período de agosto de 2018 a agosto de 2019 ), no decorrer deste ano está vinculado à reforma do sistema previdenciário municipal, com alterações na progressão automática dos servidores (e à revisão da planta do IPTU, desatualizada desde 1991), por outro, economistas destacam que a perda substancial de 17% na folha tira a capacidade de compra do funcionalismo. “Isso impacta negativamente nas vendas do comércio e nos serviços”, observa o economista Paulo Muzell. “Estudo publicado em 2017 mostrava que somente o parcelamento do 13º diminuiria compras do comércio em R$ 70 milhões no período de Natal.”“O neoliberalismo tem tido efeito perverso em cidades com as características de Porto Alegre”, avalia o professor de Economia na Escola de Negócios da PUCRS Adalmir Marchetti. “Porto Alegre tem sofrido com o congelamento do salário dos funcionários públicos, principalmente na área mais central.” O docente prossegue observando que a redução do papel do poder público na produção de politicas públicas capazes de gerar desenvolvimento e melhorar as condições de vida da população mais pobre é nociva. Para ele, falta uma concepção de desenvolvimento da cidade. “O conceito de que o setor privado vai ocupar o lugar do estado e vai gerar crescimento econômico não está se concretizando. O setor privado precisa que o estado cumpra seu papel de modo mais ativo, com política de desenvolvimento”, critica.Neste sentido, as empresas que realizam obras também perderam, uma vez que quase não ocorreram investimentos, completa Muzell. “A meu ver, a única coisa boa que ele conquistou foi que a receita do Município cresceu acima da inflação – isso é bom, mas ainda não se transformou em mais investimentos e melhores salários. Talvez no ano eleitoral passe a acontecer”, dispara o economista. Muzell considera que o governo de Marchezan “entrega serviços ruins, briga com funcionários, foca na desestatização de autarquias (como o DMAE, “que investe muito, tem água boa e barata e fecha todos os anos com orçamento superavitário”) e termina com a autonomia das escolas (Porto Alegre foi a primeira cidade brasileira a terceirizar a administração de uma escola pública, a Pequena Casa da Criança, que atende 350 alunos de Educação Infantil e Fundamental).A perda de protagonismo do Orçamento Participativo (OP) durante esta gestão também é alvo de críticas. Em 2017, Marchezan determinou a suspensão da realização de assembleias alegando que não havia verbas sequer para executar demandas pendentes dos anos anteriores, mas ativou novamente em 2018. “Atualmente o Orçamento Participativo está praticamente parado”, comenta o professor da PUCRS.Experiência implementada pelo governo do PT em 1989, o OP já foi objeto de múltiplas pesquisas acadêmicas e, junto com o Fórum Social Mundial, deu visibilidade a Porto Alegre no mundo inteiro. Chegou a ser reconhecido pela ONU como uma das 40 melhores práticas de políticas públicas do mundo. “Para piorar o cenário, a taxa de desemprego na cidade foi de 9,5%, segundo dados do IBGE em setembro. Caiu um pouco frente ao mesmo trimestre do ano passado, que estava em 10,2%, mas é um índice elevado para os padrões da Capital”, informa Marchetti.
Reformas estruturantes como ‘legado’Em 2016, o Programa de Governo do então candidato Nelson Marchezan Júnior prometia melhoria dos serviços públicos de saúde e educação e aumento dos investimentos em infraestrutura, principalmente saneamento básico e mobilidade urbana. Na pauta ainda constavam “humanizar os serviços, modernizar a cidade, diminuir a burocracia e gerar segurança para as pessoas”. No decorrer do primeiro ano de mandato, o gestor passou dificuldades para conseguiu deslanchar as promessas de campanha. Mas, durante o período, conseguiu apoio da Câmara Municipal para uma de suas principais estratégias: as “reformas estruturantes” para reduzir custos.Passados outros dois anos, em outubro de 2019 o prefeito disse, durante palestra em reunião-almoço promovida pelo Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas-POA), que sua gestão vai deixar um “legado extraordinário para a cidade”, referindo-se ao fato de que “as contas do Município, em 2021, fecharão no azul pela primeira vez em 20 anos”, graças às reformas estruturantes, que entre outras coisas terminam com os avanços trienais e adicionais por tempo de serviço do funcionalismo.Segundo o prefeito, o governo deve finalizar o próximo ano com um déficit de R$ 336,5 milhões, de acordo com projeção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2020. Na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020 – elaborada em consonância com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com o Plano Plurianual (PPA) 2018-2021 e com a LDO – a receita projetada é de R$ 7,94 bilhões e despesa da ordem de R$ 7,94 bilhões. O prazo para aprovação da proposta, que prevê iniciativas a partir de concessões e novas PPPs, vai até 5 de dezembro.“Porto Alegre vai melhorar muito e de forma permanente nos próximos dois anos, em quase todas as áreas”, vem afirmando Marchezan, citando como avanços a primeira parceria público-privada (PPP) com foco na iluminação pública (que prevê a instalação de 105 mil pontos de lâmpadas de LED), além de parcerias para o saneamento e para a conclusão do trecho 2 da Orla do Guaíba. A sessão de abertura do envelope em que consta a documentação do consórcio Poa Luz, composto pelas empresas Enel X Brasil, Selt Engenharia, Mobit – Mobilidade, Iluminação e Tecnologia – segundo colocado no leilão realizado em agosto na B3, em São Paulo, está para ser aberta nos próximos dias.Junto aos empresários do Sindilojas-POA, o gestor enumerou também a concessão para instalação dos novos relógios de rua, a inauguração do trecho 1 da Orla do Guaíba, o início das obras do trecho 3, e a contratualização para revitalizar parques e praças. Destacou que, após equilibrar a receita com a despesa, o Município já conseguiu obter cerca de R$ 900 milhões em financiamentos, que serão utilizados em projetos de melhorias em saneamento, drenagem, segurança e pavimentação de vias da cidade. Segundo ele, o edital de licitação para obras de saneamento deverá ser lançado no próximo ano.Na carteira de projetos da Secretaria Municipal de Parcerias Estratégicas ainda constam outras parcerias com o setor privado, com foco no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, Mercado Público, resíduos sólidos, e mobiliário urbano – ainda não concretizadas. O prefeito costuma defender que o caminho para garantir uma melhor qualidade em educação, saúde e área social é a contratualização dos serviços. “Não há mais como manter somente serviços estatais. Além de não funcionarem, são muito caros. Já estamos aplicando este conceito, e conseguimos aumentar leitos hospitalares e abrir hospitais”, acentuou Marchezan aos empresários do Sindilojas-POA.
O social em segundo planoPautado em repassar à iniciativa privada funções que antes cabiam ao setor público, o governo Marchezan é criticado por economistas, principalmente por não priorizar aspectos sociais. “A própria questão das ciclovias mostra que está se construindo uma cidade desigual”, afirma o presidente regional do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Passos. Ele considera que os investimentos em infraestrutura na Capital estão aquém do desejado, em vista de uma orientação política neoliberal. “Já no início deste governo os trabalhadores que precisam pegar dois ônibus foram penalizados com o fim da integração das passagens de ônibus”, recorda Passos.Para piorar, foram entregues apenas 3,1 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas nos primeiros anos da gestão Nelson Marchezan contra 19,4 dos dois anos anteriores. “Não se usa mais os recursos de multa, agora é contrapartida na maioria dos casos, de grandes empreendimentos, com impacto calculado por número de vagas de estacionamento”, lembra Passos. No entanto, as contrapartidas, uma das principais ferramentas para implantar a rede cicloviária sem dinheiro em caixa (representam um terço do total), não têm dado o resultado esperado –, uma vez que com a crise no mercado da construção houve menos empreendimentos executados.O presidente do IAB destaca ainda que não houve mudança de paradigmas de investimento em infraestrutura que beneficiasse modais não motorizados, como a bicicleta. “Não houve investimentos públicos para que se crie condições na cidade, nem em áreas centrais, nem em regiões mais distantes”, resume. “Só se vê entrega do serviço público para a iniciativa privada. Saneamento, que sempre foi um grande déficit, está paralisado; o transporte público está mais caro, algumas escolas foram fechadas; e enquanto isso não se consegue ao menos prever onde irão se concentrar os investimentos públicos e privados nos próximos anos.”
A batalha pela mudança no IPTUEm 30 de abril deste ano, a Câmara de Vereadores aprovou, enfim, o projeto de lei do Executivo que estabelece uma nova Planta Genérica de Valores Imobiliários (PGV) para efeitos do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) na Capital. A batalha foi longa e, para ser vencida, o prefeito precisou enviar de volta ao legislativo alguns de seus secretários e aproveitar a própria licença paternidade e as férias do vice-prefeito, Gustavo Paim (PP), garantindo assim que a presidente da Câmara, Mônica Leal, estaria interinamente no Paço Municipal e não poderia votar contra a proposta. Em 2017, na primeira tentativa de atualizar o imposto, Marchezan enfrentou uma das maiores crises de sua gestão, partindo para o ataque contra os vereadores e fazendo até mesmo os aliados mudarem de lado na hora da votação. Em 2018, já antevendo nova derrota, o prefeito retirou o regime de urgência e acabou por desistir de colocar a proposta em votação. Neste ano, Marchezan deixou de comprar brigas com os vereadores e conseguiu a aprovação do projeto.Com a aprovação da lei e de 14 emendas, o IPTU de Porto Alegre deixa de ter alíquota única de 0,85% sobre os imóveis residenciais e passa a ter um sistema de alíquotas variáveis. Com a nova legislação, o imposto passará a ser calculado de acordo com o valor venal do imóvel, ou seja, aquele valor que o imóvel alcançaria em uma compra e venda à vista, segundo as condições usuais do mercado.Recentemente, o secretário da Fazenda, Leonardo Busatto, detalhou os estudos sobre o novo imposto, que resultará em um aumento de arrecadação de R$ 65 milhões para cidade em 2020, caso o índice de adimplência seja mantido: hoje, 80% dos contribuintes pagam o IPTU em dia.Os técnicos do Executivo calculam que, considerando-se a média dos 767.275 imóveis da capital gaúcha, a guia do IPTU será 10,4% mais cara no ano que vem. Segundo a Prefeitura, metade dos contribuintes terá aumento do imposto, enquanto a outra metade terá redução ou isenção do IPTU. O aumento máximo no ano que vem será de 30%. Nos anos seguinte, aumentará 20% no máximo, até que a atualização seja concluída. Conforme o governo, quem vai ter aumento, é porque há muitos anos já deveria estar pagando, por causa dos valores dos imóveis que aumentaram, mas não pagaram porque a planta só foi atualizada agora.O economista Paulo Muzell destaca que o IPTU da Capital não era atualizado desde 1991, mas que a medida só deve incrementar o caixa em 2020. “Essa reforma do Marchezan querendo aumentar a receita terá resultados mesmo no ano que vem”, observa. “Ironicamente, ele prometeu que não iria aumentar o imposto, e aumentou, o que enfureceu empresários.”
Fonte: Sul 21